domingo, 16 de maio de 2010

A natureza das leis



As leis da natureza foram inventadas pelo homem ou forçadas pelo mundo ao redor?


O que nós, cientistas, estamos querendo dizer quando falamos em "leis da natureza"? A questão é bem mais complicada do que parece ser. Não será no curto espaço desta coluna que farei jus à ela, mas temos que começar de algum lugar. Aí vai.

Autoridades tanto na ciência quanto na filosofia têm posições antagônicas com relação à natureza das leis da natureza. Antes de apresentar minhas opiniões, eis algumas outras.

Max Planck, grande físico alemão que inventou o conceito do quantum em 1900 e ganhou o prêmio Nobel da Física em 1918, escreveu que "existe um mundo real, e ele é independente dos nossos sentidos".

Para ele, "as leis da natureza não foram inventadas pelo homem, mas sim forçadas sobre ele pelo próprio mundo natural. São a expressão de uma ordem racional do mundo".

Planck acreditava que não inventamos essas leis, mas que as descobrimos. Se seres extraterrestres existissem, portanto, descobririam as mesmas leis. Poderiam representá-las de forma diferente, mas sua essência seria idêntica.

Essa postura supõe a existência de um saber universal: existe um único corpo de conhecimento que, dado tempo suficiente, vai ficando cada vez mais claro.

A posição de Planck ressoa com a dos que acreditam que Deus criou o mundo e suas leis. De fato, a primeira menção das leis da natureza aparece num texto de Descartes, em que ele afirma que as leis da natureza são uma criação divina.

A maioria dos pensadores, entretanto, discorda da visão de Planck. O próprio Albert Einstein dizia que nossas teorias são "ficções", no sentido de que podem existir duas ou mais explicações equivalentes sobre o mesmo fenômeno. "O caráter fictício das [teorias científicas] fica óbvio quando vemos que duas diferentes, cada qual com as suas consequências, concordam em grande parte com a experiência", disse.

O físico americano Richard Feynman escreveu que "como nada pode ser expresso precisamente, toda lei científica, todo princípio cientifico, toda asserção sobre os resultados de uma observação é uma espécie de sumário que deixa de lado os detalhes". Ou seja, nossas teorias são apenas aproximações da realidade.

Os filósofos Karl Popper e Thomas Kuhn vão ainda mais longe (Kuhn talvez um pouco longe demais). Popper escreveu que teorias científicas "não são um resumo de observações mas invenções-conjecturas propostas para serem julgadas e, se discordarem das observações, eliminadas".

Entrando no debate, o que podemos dizer sobre as leis da natureza?

Não há dúvida de que observamos padrões regulares na natureza, do micro ao macro. Alguns desses padrões podem ser expressos matematicamente. Porém, quando físicos afirmam, por exemplo, que "a energia é conservada", sabem que essa lei só é estritamente válida dentro da precisão de suas medidas.

E mesmo que a precisão de nossos instrumentos e medidas melhore com o passar do tempo, sempre haverá um limite. Consequentemente, jamais podemos afirmar que a "energia é conservada" em termos absolutos.

De fato, na prática não existem asserções de caráter absoluto, nem mesmo no contexto das ciências físicas. Construímos modelos que descrevem a realidade que medimos da melhor maneira possível.

Como humanos, vemos o mundo sempre fora de foco. Os óculos que inventamos melhoram a qualidade da imagem, mas sempre existirão detalhes que escaparão ao nosso olhar. O mundo é o que vemos dele.

3 comentários:

  1. Penso que as diferentes posições de filósofos e físicos são coerentes com a própria natureza da Natureza: uma eterna incógnita. Todas as teorias são apenas a descrição da nossa aproximação e não a natureza em si. Se uma teoria fosse absoluta certamente deixaria de ser teoria e viraria o próprio fenômeno.
    Como você falou, descrevemos a realidade 'que medimos'. Para ser prática, as leis da natureza existem sim, mas o que chamamos 'leis' parecem ser o que o nosso limite percebe como eterno.
    Poliana M. Oliveira

    ResponderExcluir
  2. Excelente texto!

    No IFUSP há anos os mestres falam que a Física não é uma ciência exata (aliás, por isso que ela foi retirada do "grupo exatas" na Fuvest faz um bom tempo).

    Mas dentro de um certo escopo podemos encontrar "leis", sempre tendo conciência que elas não são absolutas, mas ao mesmo tempo, sem espaço para crendices e coisas sobrenaturais.

    No fim, acho que alguns pesquisadores "arredondam" a questão. É como calcular a probabilidade de ganhar na Mega Sena 10 vezes seguidas com um cartão simples: a probabilidade é tão desprezível que muitos afirmam ser impossível já que na prática...

    ResponderExcluir
  3. A faina por lei é a mesma que pressupõe a idéia de Justiça e de Deus. Coisa de primata. Pessoas tem dificuldade em conceber relações, porque elas são variáveis, múltiplas, e até remotas.

    ResponderExcluir