domingo, 8 de março de 1998

A antimatéria e as assimetrias do Universo

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Em setembro de 1995, um grupo de cientistas da Alemanha e da Itália liderados por Walter Oelert, do Instituto de Física Nuclear de Jurlich, na Alemanha, conseguiu, pela primeira vez na história, produzir átomos de antimatéria em laboratório. Essa incrível descoberta foi anunciada ao mundo em janeiro de 1996, causando verdadeira sensação dentro e fora do mundo acadêmico. Vale a pena revisitar e explorar o porquê da euforia.

Antes de mais nada, o que é antimatéria? Ao contrário de sua reputação misteriosa, a antimatéria não tem nada de muito extraordinário. Basicamente, partículas de antimatéria são semelhantes às partículas de matéria, mas com uma grande diferença: sua carga elétrica é oposta. Portanto, a antipartícula do elétron, o pósitron, tem carga positiva, enquanto a do próton tem carga negativa, o antipróton.

Mas se a antimatéria é assim tão sem graça, por que tantas estórias e mistérios? O problema é justamente esse. Segundo as leis da física de partículas, matéria e antimatéria deveriam aparecer na natureza em pé de igualdade. No entanto, observações astronômicas mostram que a antimatéria é extremamente rara no Universo. O mistério da antimatéria está em sua ausência.

Em 1931, Paul Dirac, um dos grandes físicos deste século, previu a existência da antimatéria, aplicando a teoria da relatividade à recém-descoberta mecânica quântica. Dois anos mais tarde, Carl Anderson, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (EUA), detectou pósitrons em laboratório. Em 1955, antiprótons foram obtidos em experimentos feitos em Berkeley, na Califórnia.

Mas Dirac também previu que, ao entrarem em contato, matéria e antimatéria se desintegrariam imediatamente e suas massas seriam transformadas em radiação eletromagnética. Em outras palavras, se matéria e antimatéria existissem em pé de igualdade no Universo, nós não estaríamos aqui nos perguntando sobre suas propriedades. Nós somos produto dessa assimetria fundamental no Universo.

Como a explicação dessa assimetria é ainda alvo de muita discussão no meio acadêmico, a produção de átomos de antimatéria é extremamente importante. Até 1995, apenas partículas isoladas de antimatéria haviam sido observadas em laboratório, produto de colisões a energias altíssimas em aceleradores de partículas. Oelert e sua equipe produziram o primeiro átomo de antimatéria, um átomo de "anti-hidrogênio", com um antipróton no núcleo circundado por um pósitron.

Para tal feito, os físicos usaram o anel de Antipróton de Baixas Energias (Lear) no Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça: um pequeno acelerador de forma circular capaz de acelerar antiprótons produzidos em outras colisões. A cada volta completa no anel (3 milhões de vezes por segundo!), os antiprótons bombardeavam uma amostra do gás xenônio. Muito raramente, a colisão dos antiprótons com os átomos de xenônio fazia parte da energia de um antipróton se converter em um par elétron-pósitron. Ainda mais raramente, a velocidade de um pósitron era suficientemente próxima da de um antipróton para que os dois se atraíssem eletricamente e formassem um átomo de "anti-hidrogênio".

Uma vez criados, os antiátomos existiam por apenas 40 bilionésimos de segundo, viajando a uma velocidade próxima à da luz por dez metros, até colidirem com os átomos da parede do acelerador, desintegrando-se em radiação eletromagnética. O desafio agora é criar antiátomos em quantidades muito maiores (apenas nove foram criados originalmente) e armazená-los sem que eles possam ser aniquilados em colisões com a matéria. Comparando as propriedades do anti-hidrogênio com o hidrogênio normal, talvez encontremos alguma informação sobre a origem da assimetria responsável pela nossa existência.

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