domingo, 1 de março de 1998

Recriando as menores estruturas do Universo

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Eu me lembro, quando garoto, de infernizar a vida de meu pai com perguntas do tipo "Mas, pai, por que...?". As perguntas mais chatas de responder eram, as que cientistas podem passar uma vida inteira tentando responder. Parafraseando Milan Kundera, "as perguntas mais importantes são as que uma criança faz. São perguntas sem resposta e, portanto, perguntas que definem as limitações das possibilidades humanas".

Por exemplo, "Pai, o que que acontece se eu cortar um pedaço de pau em pedacinhos bem pequenos?". "Bem, você vai ficar com vários pedaços pequenos de madeira", meu pai responderia aliviado, pensando ter se safado rapidamente. Mas eu, como toda criança curiosa, não ia desistir assim, tão facilmente.

"Mas e se eu continuar cortando sem parar? Os pedaços de madeira desaparecem?"
Pois é, o que acontece quando dividimos a matéria em pedaços cada vez menores? Bem, diria o físico de partículas, você encontraria moléculas, que são agregados de átomos, depois átomos, que são agregados de partículas de matéria chamadas prótons, nêutrons e elétrons. Prótons e nêutrons ocupam o núcleo atômico, carregando praticamente toda a massa do átomo. Elétrons giram "ao redor" do núcleo, carregando suas cargas negativas. As aspas indicam que esse modelo do átomo como um minissistema solar não é realmente muito apropriado.

A esta altura, claro que não estamos mais "cortando" o átomo para dividi-lo. Experiências que estudam a estrutura da matéria no nível atômico e subatômico usam máquinas conhecidas como aceleradores de partículas, que colide matéria contra matéria a energias (velocidades) altíssimas. Quanto maior a energia da colisão, menores as distâncias que podemos estudar.
Um exemplo: suponha que você queira estudar o interior de uma laranja sem cortá-la. Um método seria deixá-la cair. De uma altura de 20 cm, nada de muito dramático aconteceria. Mas, se a laranja cair de uma altura de 20 m, ao colidir com o chão sua velocidade seria grande o suficiente para que seu interior nos fosse revelado: bagaço, sementes e muito suco.

Aceleradores de partículas estudam as menores estruturas da matéria por meio de colisões de altíssimas energias. O Tevatron, que atinge as maiores energias do mundo está a 40 km de Chicago, no Laboratório Nacional de Acelerador Fermi. As colisões ali produzidas atingem energias que permitem o estudo da estrutura da matéria a distâncias cem milhões de vezes menores que um átomo de hidrogênio, mil vezes menores que um próton!

A essas energias, fica claro que prótons e nêutrons não são partículas fundamentais, mas sim formadas por partículas ainda menores, chamadas quarks. Mas será que existem partículas ainda menores que os quarks? Será que essa hierarquia não vai terminar nunca? Estas perguntas óbvias não são nada simples.

Isso não significa que não há respostas. Na verdade, temos até respostas demais, baseadas em diferentes modelos do que acontece com a matéria a altíssimas energias, além das que podemos, no momento, estudar com nossos aceleradores. Esses modelos recebem nomes exóticos como supersimetria, tecnicolor, ou preons. Independente dos detalhes de cada modelo, todos dizem que a hierarquia termina, se não no nível dos quarks, num subnível próximo deles. Ou seja, que a matéria tem uma estrutura fundamental baseada em certas partículas elementares.

Alguns desses modelos serão testados na próxima década, quando um novo acelerador, que está sendo construído no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), perto de Genebra, na Suíça, colidirá partículas com energias até oito vezes maiores que o Tevatron. Mas, talvez ainda mais importante do que as respostas, serão as novas perguntas que surgirão do coração dessas colisões.

Nenhum comentário:

Postar um comentário