domingo, 12 de julho de 1998

Plano ou fechado, o Universo não tem centro

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

No século 20, descobrimos que o Universo está em expansão. Em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble mostrou que galáxias vizinhas à nossa Via Láctea se afastam com velocidades proporcionais às suas distâncias: quanto mais longe a galáxia, maior sua velocidade de recessão, não só em relação à nossa galáxia. Todas elas estão se afastando mutuamente, numa espécie de repulsão cósmica balanceada pela atração gravitacional que esses grandes aglomerados estelares e outros exercem entre si.

Essa idéia de expansão confunde muita gente. Se o Universo está em expansão, claramente ele tem uma borda e um centro. Afinal, para onde ele está se expandindo? A confusão vem do fato de que nós sempre vemos objetos contidos no espaço. Mas o Universo não está contido no espaço, como bolas de gude em uma caixa de sapato. Ele contém o espaço.

A expansão do Universo não é como a explosão de uma bomba, que explode em uma região central e os fragmentos se afastam uns dos outros com velocidades próprias. Não devemos pensar na recessão das galáxias como fragmentos de uma explosão: a expansão do Universo significa que as galáxias estão sendo carregadas pela expansão da geometria do espaço, como rolhas flutuando na corrente de um rio.

Imagine uma régua ou um fio, onde você marca cada centímetro com uma caneta vermelha. Imagine que a régua cresça espontaneamente em ambas as direções. À medida que a régua cresce, os pontos vermelhos se movem, ou seja, a expansão da "geometria" causa o movimento dos pontos. O mesmo acontece com o Universo.

Mas a régua, mesmo que em expansão, ainda tem uma borda e um centro. Isso porque a régua é um "espaço" finito. Se imaginarmos uma régua que se estende infinitamente em ambas as direções, ela deixa de ter uma borda e um centro! Em um parágrafo, passamos de uma régua a um espaço infinito e em expansão. Sem centro e sem bordas.

Existe um outro modo de tornar uma régua em um espaço sem bordas. Basta transformá-la em um círculo! Um círculo não tem princípio ou fim e sua circunferência é igual ao comprimento da régua. Um círculo também não tem um centro e todos os seus pontos são equivalentes. O centro que você (involuntariamente) imaginou não faz parte do círculo, certo?

Passando de uma régua à uma superfície plana, imagine a superfície de um tabuleiro de xadrez que se estende infinitamente em todas as direções. Marque cada vértice com sua caneta vermelha. Se, como a régua, o tabuleiro crescer em todas as direções, os pontos vermelhos irão se afastar uns dos outros. O tabuleiro em expansão é um espaço de duas dimensões sem centro ou bordas.
Agora imagine a superfície de uma bola. Imediatamente, você imagina uma bola com um centro e uma borda. Por que isso? Porque visualizamos a superfície da bola, que tem apenas duas dimensões, em um espaço com três. Se você fosse uma "ameba" que vivesse na superfície da bola, você não diria que seu mundo (a superfície da bola) tem um centro e uma borda. Do mesmo modo, uma formiga inteligente, que vivesse sobre um círculo, não poderia dizer ele tem um centro!

No caso do Universo, temos de passar de duas para três dimensões, algo que fica difícil de fazer sem a matemática. Mas os conceitos são os mesmos. Não sabemos se o Universo tem uma geometria equivalente à do tabuleiro de xadrez (geometria plana) ou à de uma bola (geometria fechada). Uma terceira possibilidade é um Universo com uma geometria aberta. Um exemplo de uma geometria aberta em duas dimensões é a superfície de uma sela de cavalo. A resposta depende da quantidade de matéria que há no Universo, algo que continuamos a debater. Mas uma coisa é certa: seja qual for a geometria do Universo, ele não tem um centro ou uma borda!

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