sexta-feira, 11 de setembro de 1998

A dualidade onda-partícula no mundo microscópico

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Outro dia, vasculhando velhos papéis de família, me deparei com um relatório de minha professora do maternal. Em clara e bela caligrafia, ela dizia: "Marcelo adora brincar com blocos de madeira. Sua outra atividade favorita é a bandinha de música". Tentando me lembrar de como eram as coisas quanto tinha 4 anos, percebi o quanto nós não mudamos. Eu continuo adorando música e brincando com blocos de armar, aspectos complementares de nossa descrição do mundo natural.

Nós representamos a estrutura da matéria em termos de seus "tijolos" ou blocos fundamentais, que chamamos de partículas elementares. Os mais familiares são os átomos dos elementos químicos, que, por sua vez, são compostos de elétrons em torno de prótons e nêutrons no núcleo. Já os prótons e nêutrons são compostos de partículas ainda mais fundamentais, os quarks. Portanto, dizemos que os tijolos fundamentais dos átomos são os quarks e os elétrons. O termo "fundamental" é usado quando a partícula não é composta por outras. No momento, conhecemos 12 partículas fundamentais.

Mas nenhuma construção pode existir sem uma cola. No caso das partículas, as "colas" são as interações entre elas, as forças que as partículas exercem entre si. Das quatro forças fundamentais da natureza, nós conhecemos bem duas; a força eletromagnética e a força gravitacional. Duas outras são ativas apenas em distâncias subatômicas; a força fraca -responsável, entre outras coisas, pelo decaimento radioativo- e a força forte -responsável por manter unido o núcleo atômico e também os quarks nos prótons e nêutrons.

As quatro forças também são descritas por partículas elementares. As partículas de força são "trocadas" durante uma interação entre as partículas de matéria, como jogadores passando uma bola entre si (essa imagem é sugestiva, mas não muito adequada). A mais famosa é o fóton, a partícula responsável pela transmissão da força eletromagnética. Quando dois elétrons sofrem uma repulsão elétrica (cargas iguais se repelem, cargas opostas se atraem), eles estão "trocando" fótons entre si. A física de partículas descreve o mundo por interações entre partículas de matéria, efetuadas por partículas de força. Mas essa é apenas a metade da história.

Na natureza, tudo vibra. Ondas ou vibrações estão presentes em todas as escalas, de oscilações atômicas ou moleculares, passando por ondas de som ou do mar, até oscilações em estrelas e outros objetos astrofísicos.

Com o desenvolvimento da mecânica quântica nas primeiras décadas deste século, ficou claro que as ondas aparecem até nos componentes fundamentais da matéria: as próprias partículas elementares, os blocos que usamos para construir o mundo, também podem ser descritos em termos de ondas! "Mas como?", pergunta, indignado, o leitor. "Onda e partícula são aspectos completamente distintos do comportamento da matéria: Uma partícula é uma entidade localizada, que ocupa um ponto ou pequeno volume no espaço. Já uma onda é o oposto, algo que se espalha no espaço. Como que um objeto pode ser ambos?"

Esse problema, conhecido como dualidade onda-partícula, é um dos aspetos mais fundamentais e intrigantes da mecânica quântica. A crise vem da nossa inabilidade de descrever sem matemática o comportamento bizarro dos objetos que habitam o mundo do "muito pequeno". Uma partícula se manifestará como partícula ou onda dependendo de como testarmos sua existência. Se, em uma experiência, os elétrons colidirem como bolas de bilhar, eles se comportarão como partículas. Se a experiência for de difração, passando os elétrons por fendas, eles se manifestarão como ondas.

Onda e partícula são representações da realidade física desses objetos, imagens mentais que usamos para organizar o que observamos. No final, voltamos aos nossos inocentes blocos de armar e bandinhas de música.

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