domingo, 27 de setembro de 1998

Em defesa do Big Bang

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Quando dou palestras sobre o Big Bang, uma das perguntas mais comuns é: "Mas como vocês podem saber se esse modelo está certo? Que provas existem?". Por incrível que pareça, não é só o público não-especializado que faz essa pergunta. Mesmo entre físicos a cosmologia é vista com uma certa suspeita.

Há razões para esse ceticismo. A história da cosmologia moderna é marcada por episódios que sem dúvida contribuíram para levantar as suspeitas. Um dos mais famosos aconteceu logo no início dessa disciplina. Em 1929, o astrônomo americano Edwin Hubble descobriu que o Universo está em expansão. Essa incrível descoberta é baseada em um efeito muito familiar, chamado de efeito Doppler. Quando uma fonte de som se aproxima, como uma sirene ou buzina, notamos que o tom sobe para frequências mais agudas; quando ela se afasta, o tom desce para frequências mais graves.

Esse fenômeno não é apenas típico de ondas de som. O mesmo ocorre para ondas de luz. Quando uma fonte luminosa se afasta, sua cor se desloca para o vermelho, que tem menor frequência; quando ela se aproxima, sua cor se desloca para o azul. Hubble percebeu que a luz de galáxias distantes se deslocava para o vermelho. Ele concluiu que as galáxias estão se afastando de nós, devido à expansão do Universo. Uma imagem muito usada é a de um balão com pontos pretos pintados em sua superfície. Quando o balão expande, os pontos se afastam uns dos outros. O mesmo acontece com as galáxias, "carregadas" pela expansão do Universo.
Bem, pensou Hubble, se as galáxias estão se afastando umas das outras com uma certa velocidade, em algum momento no passado elas estavam todas concentradas em um volume muito pequeno. Usando suas medidas, Hubble estimou que esse momento ocorreu há 2 bilhões de anos. Essa foi a primeira medida concreta da idade do Universo.

O problema é que já se sabia na época que a Terra tinha mais de 4 bilhões de anos. Como o Universo pode ser mais jovem do que a Terra? Esse foi um dos primeiros embaraços da cosmologia moderna. Sua resolução apareceu no início dos anos 50, quando medidas mais precisas do que as de Hubble mostraram que o Universo tinha no mínimo 10 bilhões de anos.

Esse tipo de problema não aparece só em cosmologia. É comum que medidas muito difíceis de ser efetuadas causem controvérsia. Na verdade, controvérsia é muito saudável em ciência, já que é a partir de uma atitude cética que se evitam erros e futuros embaraços. Mas, em cosmologia, a grandiosidade das questões aumenta o potencial para controvérsias e embaraços.
Em 1948, quando o modelo do Big Bang foi proposto, um grupo de físicos ingleses sugeriu outro modelo cosmológico, o modelo do "estado padrão". Segundo esse modelo, o Universo não teve nem início nem fim, mas sim uma existência eterna. Os dois grupos duelaram (academicamente, claro) por quase 20 anos, debatendo se o Universo está em expansão após uma origem muito densa e quente (Big Bang) ou se ele está em expansão, mas sem uma origem densa e quente (estado padrão).

Em 1965, dois astrofísicos americanos, procurando por sinais de rádio provenientes do espaço com uma enorme antena, descobriram um persistente chiado, um ruído que interferia com suas medidas. Ficou claro que o ruído vinha de todas as direções do céu e que não era causado por fontes terrestres.

Consultando seus colegas, o par constatou que esse ruído era previsto pelo modelo do Big Bang: microondas causadas durante a formação dos primeiros átomos, quando o Universo tinha apenas 300 mil anos. O "chiado" é uma fotografia do Universo quando bebê, um fóssil de sua infância. O Big Bang passou a ser o modelo aceito para descrever a evolução do Universo, e a cosmologia, pelo menos para a maioria dos físicos, deixou de ser objeto de suspeita.

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