domingo, 11 de outubro de 1998

"Estrelomotos" e a nossa vizinhança cósmica

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Durante a noite do dia 27 de agosto, sete satélites de comunicação entraram misteriosamente em alerta vermelho: seus aparelhos foram desligados pelo computador central do satélite para que fossem protegidos de uma enorme onda de radiação eletromagnética, na sua maior parte de raios X. Rádios e telecomunicações na Terra, entre o Havaí e o Colorado, nos EUA, foram interrompidos ou sofreram forte interferência durante cinco minutos.

Cientistas especializados na ionosfera, a camada da atmosfera que é repleta de gases ionizados pela radiação ultravioleta proveniente do Sol, mediram que, durante a interrupção, a ionosfera baixou de sua altitude noturna, de aproximadamente 18 mil metros, até sua altitude diurna, de cerca de 12 mil metros.

Os leitores que são fãs do rádio sabem que à noite é possível receber transmissões de fontes mais distantes; isso porque a ionosfera é usada como uma espécie de espelho para refletir ondas de rádio de um ponto a outro na Terra. Portanto, quanto mais alta a ionosfera, mais longe as ondas podem viajar, explicando por que à noite as transmissões mais longas são mais eficientes. Que fenômeno pode ter causado o abaixamento da altitude da ionosfera em apenas uma porção da superfície terrestre?

Após um mês de muita pesquisa e especulação, foi achado o culpado da misteriosa interferência: uma estrela de nêutrons, localizada a 20 mil anos-luz da Terra, sofreu o que astrofísicos chamam de um "estrelomoto", uma espécie de terremoto extremamente violento, que rearranja a superfície da estrela. Estrelas de nêutrons são objetos muito exóticos, basicamente núcleos atômicos gigantes, com diâmetros em torno de 10 km e massas comparáveis à do Sol. Essa grande quantidade de matéria em um volume tão pequeno significa que a matéria que compõe a estrela de nêutrons é extremamente densa: uma colher de sopa pesa mais do que um Boeing-747, o famoso "Jumbo"!

Mas essa enorme densidade de matéria é apenas uma das várias excentricidades das estrelas de nêutrons. Como o nome já diz, elas são compostas principalmente de nêutrons, as partículas que, juntamente com os prótons, compõem os núcleos atômicos. Como a maioria dos objetos no espaço, estrelas de nêutrons também giram em torno de seus eixos. Mas, ao contrário da Terra, que completa uma rotação por dia, elas podem completar uma volta em menos de um segundo. Em certos casos, até em um milésimo de segundo! Imagine uma bola com 10 km de diâmetro, pesando tanto quanto o Sol, feita de nêutrons e girando mil vezes por segundo...

A matéria que compõe a estrela de nêutrons gera também fortíssimos campos magnéticos. A Terra também tem seu campo magnético, que usamos para nos orientar com nossas bússolas. Mas ele não se compara aos campos magnéticos encontrados em estrelas de nêutrons. Com a rotação da estrela, o campo magnético também gira, criando pulsos de radiação em uma direção fixa. Poeticamente, as estrelas de nêutrons são muitas vezes chamadas de "faróis cósmicos", seus feixes de radiação varrendo o cosmo como os faróis varrem os oceanos, alertando os marinheiros para a presença de rochedos.

Bem, há 20 mil anos a estrela de nêutrons conhecida como SGR-1900+14 sofreu um violentíssimo "estrelomoto", que provocou uma perturbação em seu campo magnético. Esse evento causou a produção de uma enorme quantidade de raios X e raios gama, que viajaram durante 20 mil anos pelo espaço, até atingir nossa ionosfera no dia 27 de agosto passado. Felizmente, ao chegarem, os raios X eram pouco intensos, comparáveis com os de um dentista. Mas o fenômeno mostrou pela primeira vez como eventos fora de nosso sistema solar podem afetar as condições ambientais aqui na Terra. As fronteiras de nossa vizinhança cósmica se estendem por uma distância muito maior do que imaginamos.

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