domingo, 28 de março de 1999

Reflexões sobre um blecaute numa noite sem Lua



O blecaute do dia 11 de março me pegou no meio de um jantar em um restaurante no Rio. Inicialmente, pensamos que era coisa pequena, talvez só no próprio restaurante ou nos prédios vizinhos. Mas a realidade era muito pior; uma rápida olhada pela janela confirmava que o breu era total. Enquanto os pobres garçons tentavam encontrar algumas velas, os ainda mais pobres cozinheiros tinham de improvisar seus pratos no maior calor, sem exaustores e sem fogão elétrico ou microondas. Surpreendentemente, não houve caos. Os clientes continuaram a jantar, aparentemente indiferentes à estranha situação. Afinal, um inesperado jantar à luz de velas é coisa sempre bem-vinda. Minha mulher e eu dividimos um sorriso conjugal.

Após alguns minutos, a luz voltou, sob saudações e gritos de alívio, principalmente dos garçons e cozinheiros. Mas a alegria durou pouco. Instantes mais tarde, novas oscilações de corrente e a luz se foi outra vez. As velas foram reacesas, janelas reabertas. A temperatura no restaurante começou a subir, a qualidade da comida ficou prejudicada e a aventura começou a ficar sem graça. E nada da luz voltar.

Ao sair do restaurante, nos deparamos com a dimensão da coisa: relatos não-identificados diziam que fora sabotagem em uma das redes transmissoras, que uma bomba havia explodido em algum lugar. Não só o Rio, mas todo a Região Sul do país estava às escuras. Perguntei-me como seria possível um acidente de tal dimensão ocorrer em uma rede transmissora supostamente tão avançada. Será que esse tipo de emergência não é simulado em testes de estratégias alternativas? Relatos oficiais só foram aparecer no dia seguinte, culpando um raio pelo acidente. Esse sim é o raio que partiu tudo.

Mas o incidente me fez refletir sobre um outro problema, o da nossa fragilidade perante o mundo natural. A humanidade se concentrou em cidades por diversas razões, uma delas sendo proteção. As cidades eram uma espécie de escudo tanto contra as imprevisíveis manifestações naturais como contra as mais previsíveis invasões de reinos vizinhos. Não é à toa que tantas cidades antigas tinham uma estrutura circular concêntrica, com um muro de proteção no exterior. Ainda hoje, cidades antigas, como Londres ou Roma, são circundadas por cinturões de auto-estradas, um modelo que inspira também vários projetos arquitetônicos mais recentes.

A vida hoje nas cidades grandes é dependente do funcionamento de serviços que usam vários tipos de tecnologia. Se essas tecnologias falham, a vida na cidade se torna impossível. Imagine se o blecaute durasse cinco dias, ou se os esgotos deixassem de funcionar, ou se a distribuição de combustíveis fosse interrompida por tempo indeterminado. Seria o caos completo!

Claro, esse tipo de crise provavelmente não irá acontecer. Mas o curto blecaute me levou a refletir sobre o paradoxo que nossa dependência tecnológica cria: quanto mais avançados nós somos, mais frágeis nos tornamos. A natureza, que para nossos antepassados era uma divindade, passa a ser uma imagem numa tela de computador, que dura enquanto a luz não acabar.

Minha primeira reação ao sair do restaurante foi olhar para o céu em busca de alguma orientação: será que a Lua estaria visível, ou alguma constelação? Era noite de Lua crescente, mas o céu estava encoberto e não se via mesmo nada. E, numa cidade às escuras, essa idéia de proteção vai logo por água abaixo; saí correndo em direção ao carro, invadido por um medo que era parte ancestral, parte urbano. Não sabia se a adrenalina fluindo em minhas veias era reptiliana (o medo animal) ou cortical (o medo racional). Mas ela estava lá, simbolizando nossa fragilidade, nossa perda de controle. Entrei no carro e logo acendi os faróis.

A luz voltou mais tarde, quando já estávamos na casa de meus pais. Da janela, pude ver algumas estrelas que, podia jurar, cintilavam mais forte.

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