domingo, 26 de dezembro de 1999

Crônica para um novo milênio

Nós temos o privilégio de ser seres "intermilenares", com um pé no milênio que está por terminar e outro no milênio que está por começar. Daí que olhamos tanto para trás quanto para a frente, a história nos ensinando a não repetir os erros do passado e nos inspirando a repensar o futuro.

É difícil resistir à tentação de fazer comparações e projeções, apesar de as projeções serem, na maioria, errôneas. Mas, se pensarmos no mundo ocidental na passagem do último milênio, no ano 1000, e no mundo agora, no ano 2000, percebemos a enormidade das transformações que ocorreram nos últimos mil anos. E começamos a sonhar com o que poderá acontecer nos próximos mil.

A Europa estava assolada pelas trevas medievais, com pestes, pobreza, fome e superstições de todos os tipos. A crença no milenarismo -em que a chegada do ano 1000 coincidiria com o dia do Julgamento Final, quando o Messias reinaria na Terra, inaugurando uma nova era de paz e justiça para aqueles que suportaram seus sofrimentos com virtude e fé- oferecia esperança e terror.

Passados mil anos e aqui estamos nós, com uma sonda meteorológica tentando pousar em Marte (com certos problemas, mas...), a sociedade globalmente "internetizada", realidades sendo reinventadas virtualmente em mundos de silício e nanotecnologia, seres vivos sendo clonados e redesenhados, a humanidade participando como criadora no processo evolucionário, o Universo em expansão, o estudo da física no interior do núcleo atômico, a descoberta dos buracos negros, de outros sistemas solares, das vacinas e dos antibióticos.

Passados mil anos e aqui estamos nós, guerras matando mais nesse século do que em toda a história da humanidade, a população mundial passando dos 6 bilhões, a maioria com fome, doente e analfabeta, a poluição industrial e urbana causando sérios distúrbios ecológicos e climáticos e prometendo outros muito piores, a intolerância pelas diferenças raciais, políticas e culturais e a falta de respeito ao próximo em plena alta, a explosão do capitalismo global afogando economias emergentes, os abusos da energia nuclear ameaçando nossa destruição global e problemas de controle do lixo atômico, a engenharia genética forçando uma nova ética para a humanidade, onde a própria definição do que significa ser humano está em jogo, as pessoas sempre com pressa, muita pressa.

Passados mil anos, nós sabemos pôr um homem na Lua, mas ainda não sabemos como não nos matar. Tanto progresso e tão pouco progresso. Tantas descobertas e tanta ignorância. O que será de nós daqui a mil anos? Será que nós ainda estaremos aqui, nesse planeta que está se tornando cada vez menor para acomodar nossos sonhos e nossas ganâncias? Ou será que levaremos a cabo o processo evolucionário sobre nós mesmos e nos extinguiremos como espécie? Eu, eterno otimista, vejo um futuro muito melhor.

Infelizmente, para chegarmos lá, como nas visões escatológicas dos milenaristas, a coisa vai primeiro piorar. Infelizmente, nós temos uma grande capacidade de reação, mas não de prevenção; nós funcionamos sob pressão. As mudanças climáticas vão ter de causar danos financeiros e sociais sérios antes que os governos façam realmente alguma coisa a respeito. As pesquisas em genética vão criar situações inesperadas que vão acabar por ampliar nossos horizontes éticos, e não criar uma nova treva medieval. A distribuição de alimentos e de riqueza vai melhorar a qualidade de vida da população global. Novas fontes de energia, benignas e renováveis, vão reformular nossa relação com a atmosfera. Tecnologias misturando genética e nanotecnologia irão criar novas curas e novos seres, meio humanos, meio máquinas, que irão pensar e sentir como nós.

Do mesmo modo que nos últimos mil anos nós exploramos nosso planeta, viajando pelos seus quatro cantos, nos próximos mil nós iremos explorar os quatro cantos do nosso e de outros sistema solares, criando novas terras para povoar de vida nossa galáxia. E, quem sabe, até estabelecer contato com outras formas de vida inteligente. O paraíso na Terra, se vier a existir, terá de ser nossa criação.

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