domingo, 5 de dezembro de 1999

A explosiva origem da matéria

Qual a origem da matéria? De onde vem a matéria que preenche o Universo, suas galáxias com bilhões de estrelas, planetas e pessoas? Até recentemente, essa pergunta fazia parte daquele grupo de perguntas misteriosas que dependem mais da fé do que da ciência. Nós ainda não sabemos qual a resposta, mas temos hoje algumas idéias interessantes, talvez os primeiros passos em direção a uma compreensão mais profunda do Universo.

A cosmologia moderna é baseada no modelo do Big Bang, que diz que o Universo teve uma infância muito quente e densa. A idéia é que, próximo ao início de sua história, o Universo era uma espécie de sopa de partículas que interagiam ferozmente com a radiação. O Universo foi gradativamente se expandindo e se resfriando e, aos poucos, estruturas mais complexas foram se formando, começando com núcleos atômicos bem leves, depois átomos de hidrogênio que formaram nuvens enormes e instáveis que, ao colapsar, originaram as galáxias e estrelas.

A composição química do Universo também é bastante simples. Basicamente, o Universo consiste em 75% de hidrogênio, 24% de hélio e o 1% restante de átomos, incluindo carbono, nitrogênio e oxigênio. Esses elementos mais pesados não foram formados na fornalha primordial, mas sim em estrelas, em particular durante os processos que marcam a "morte" desses objetos.

Mas esse cenário supõe que, de alguma forma, existia já uma sopa de partículas. Esse é um problema conhecido como uma "condição inicial", semelhante a um livro de receitas: dadas certas partículas, nós sabemos como "cozinhar" o resto da matéria usando a expansão do Universo como forno. A questão é como que essas partículas apareceram; será que existe algum mecanismo capaz de gerá-las usando as leis da física e não uma "condição inicial"? É como se os cosmólogos tivessem chegado atrasados no cinema e tivessem perdido o início do filme. E com o Universo, não dá para esperar pela próxima sessão...

Para responder a essa pergunta é necessário ir além do modelo do Big Bang em sua versão mais simples, que supõe a existência das partículas. Durante as últimas duas décadas, uma nova versão do Big Bang conhecida como modelo "inflacionário" vem revolucionando nossa concepção da infância do Universo. Essa nova versão da cosmologia também tem algo a dizer sobre a origem da matéria. Se não a resposta final, ao menos um novo modo de se pensar sobre ela. No modelo inflacionário, o Universo não começa como uma sopa primordial de partículas, mas quase vazio. Tudo o que existe é uma fonte de energia que faz com que o Universo se expanda de forma rápida. Essa expansão faz com que a temperatura do Universo seja baixa e não alta, como no modelo tradicional. No modelo inflacionário, o Universo começa frio e não quente.

Aos poucos, essa fonte de energia vai relaxando e chegando ao seu ponto mínimo, como uma bola rolando colina abaixo até chegar a uma vala. Como sabemos, uma bola que rola até uma vala oscila em torno do ponto mínimo até parar lá devido à fricção. Pois é, essa fonte de energia faz a mesma coisa. A diferença é que, no caso do Universo, a energia liberada pela fricção reaparece em forma de partículas. É como se a vala estivesse cheia de partículas inertes que são "acordadas" pela bola.

O resultado é um caos completo: partículas aparecem em números enormes e começam a popular o Universo e a esquentá-lo. Esse processo explosivo, conhecido como ressonância paramétrica, é observado em vários outros sistemas físicos sem nenhuma relação com o Universo. Só que, no Universo, ele dá origem às partículas e ao calor inicial que chamamos de Big Bang. Portanto, de acordo com o modelo inflacionário, o Big Bang não é o começo do filme. O começo fica com a origem dessa fonte de energia, um problema que deixo para outro dia.

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