domingo, 2 de abril de 2000

A quase-estrela

No teatro, nem todas as estrelas brilham. No céu também. Seria muito conveniente se pudéssemos adotar um critério uniforme para determinar quem são as estrelas no teatro e no céu. Mas acho que as estrelas humanas ficariam muito aborrecidas: no céu, o que determina quem é ou não estrela é a massa do objeto. Mas ao menos uma coisa as estrelas do palco e do céu têm em comum, maciças ou não: elas se autoconsomem para poder brilhar, para produzir a radiação que tanto nos maravilha.

Já os planetas, que fazem corte à estrela, não produzem radiação suficiente para brilhar. Alguma radiação sempre é produzida, mas ela não aparece em frequências visíveis para nós. Qual, então, é o limite entre um planeta e uma estrela? Será que existe uma "quase-estrela", um objeto que é um intermediário entre um planeta gigante e uma pequena estrela, capaz de gerar alguma radiação, mas não de iniciar o processo de fusão nuclear, responsável pela enorme geração de energia de uma estrela comum?

Existe toda uma população de estrelas, de tamanhos e propriedades muito diferentes. Nosso sol, por exemplo, é conhecido como uma "anã amarela", uma estrela de tamanho discreto, porém suficientemente maciça para poder fundir hidrogênio em hélio. Sua superfície tem uma temperatura de 5.800 graus Kelvin (nessas temperaturas, não faz muita diferença qual escala usamos, Celsius, Kelvin etc.). Já uma "gigante vermelha" é muito maior do que o Sol, mas muito mais fria. Quanto mais fria uma estrela, mais vermelha ela é, o contrário do que em geral as pessoas associam com quente. O tom azul é bem mais quente do que o vermelho. Portanto, é de se esperar que, caso existam as tais "quase-estrelas", elas seriam meio avermelhadas. O nome anã vermelha já foi usado para caracterizar estrelas menores do que nosso Sol (em torno de um terço da massa e do raio), frias, mas ainda capazes de iniciar a fusão de hélio. Essas estrelas são centenas de vezes mais maciças do que Júpiter (o Sol é em torno de mil vezes mais maciço do que Júpiter).

Até recentemente, o elo que liga planetas gigantes como Júpiter às anãs vermelhas, as quase-estrelas, era apenas uma especulação. Como os astrônomos acreditam que o processo de formação de uma estrela (mesmo que pequena) é diferente do de um planeta, era razoável supor que não existisse um contínuo de objetos celestes: dos planetas gigantes temos de dar um salto até as menores estrelas. Essa situação mudou nos últimos anos, com a observação de vários objetos que podem ser caracterizados como quase-estrelas. Na verdade, essa classe de objetos ganhou um nome especial (que não deixa de ser bem horrível), as anãs marrons.
O grande desafio em achar esses objetos no céu é justamente a fraqueza de sua radiação. É muito mais fácil identificar um objeto de alta luminosidade do que um objeto que mal brilha no visível. É aí que a criatividade dos astrônomos entra no jogo. Uma série de técnicas observacionais foram desenvolvidas, que oferecem várias opções para a caça às anãs marrons.

Numa delas, usa-se o fato que ao menos metade das estrelas aparecem em pares, os sistemas binários. Basta acharmos uma delas, a mais luminosa, e estudarmos sua órbita para inferir a existência de uma companheira bem mais discreta. A massa que separa planetas das anãs marrons é em torno de 13 vezes a massa de Júpiter. Isso porque objetos mais maciços podem fundir deutério, um átomo de hidrogênio que carrega um nêutron no núcleo (um isótopo). Se a massa da companheira invisível for entre 13 e 200 Júpiteres (as anãs vermelhas), encontramos uma anã marrom. Em 1995, a primeira foi encontrada.

Outro método usa o fato de que o gás metano é encontrado na atmosfera de planetas gigantes, mas não em estrelas comuns, devido às suas altas temperaturas. Portanto, se metano for encontrado em objetos com a massa no intervalo correto, o objeto é uma anã marrom. A candidata de 1995 passou no teste. E muitas outras. Hoje, estima-se que existem ao menos tantas anãs marrons quanto estrelas comuns. Como sempre na ciência, uma descoberta gera sempre mais perguntas. Se existe um contínuo de objetos celestes, o que diferencia planetas de estrelas na formação de sistemas solares? Nessa pergunta se esconde o enigma de nossa própria origem.

Um comentário:

  1. É incrível como a Física clássica e a Física Quântica se confrontam. Não podemos utilizar dos conceitos antigos para lidar com o "mundo pequeno" assim como também não podemos utilizar dos conceitos quânticos para entender nossa realidade.

    O que realmente aprendemos é que não podemos enchergar o nosso universo de uma só maneira.

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