domingo, 1 de julho de 2001

As três origens

Existem três questões que tradicionalmente eram província exclusiva da religião, mas que, com o passar dos anos, tornaram-se parte integral do discurso científico. Elas podem ser agrupadas como o "mistério das três origens" -a do Universo, a da vida e a da mente. O que a física vem fazendo para compreender o mistério da criação, ou melhor: "Por que existe algo, ao invés do nada?" O que a biologia vem fazendo para desvendar o mistério da vida, ou: "Em que grau de complexidade um grupo de moléculas orgânicas pode ser considerado vivo?"

Finalmente, as ciências cognitivas vêm tentando entender como o cérebro cria aquilo que algumas pessoas chamam de mente, outras de alma. É difícil contemplar questões mais profundas sobre o Universo que nos cerca e sobre a natureza humana. Para muitos, principalmente para aqueles mais religiosos, é difícil aceitar o fato de que a ciência pode avançar o nosso conhecimento ao tentar responder, mesmo se apenas em parte, a essas questões. Devemos, porém, diferenciar a temática das três questões: elas envolvem áreas muito distintas da ciência moderna.

Dentro dessa separação temática, é importante analisarmos, mesmo se hipoteticamente, até onde essas questões podem mesmo ser resolvidas por meio da indagação científica. Volta e meia retornaremos à esse tema. Hoje, sabemos que o Universo teve um princípio, um momento inicial a partir do qual ele passou a se expandir. Sabemos também que esse momento inicial deu-se há aproximadamente 14 bilhões de anos, quando a matéria do Universo encontrava-se dissociada em seus componentes mais fundamentais.

Mas não podemos ter certeza do que de fato ocorreu no momento inicial. Na verdade, a pergunta não faz sentido dentro do discurso científico. Isso porque a nossa descrição das propriedades físicas do Universo tem limites e deixa de fazer sentido ao nos aproximarmos do instante inicial. Em particular, não sabemos nem falar sobre espaço e tempo: a noção de um espaço onde os fenômenos naturais ocorrem durante a passagem do tempo não é mais válida.

E, mesmo se soubéssemos, aceitando alguns modelos matemáticos propostos nas últimas décadas para descrever a origem do Universo, uma outra questão permaneceria em aberto: "Qual a origem das leis da física?". E essa pergunta não pode ser respondida dentro da estrutura atual da ciência: a ciência não pode explicar a sua própria origem. A origem da vida permanece um mistério. Vários cientistas acreditam que a vida originou-se em alguma outra parte (ou partes) do nosso Sistema Solar ou da galáxia e que chegou aqui transportada por asteróides ou cometas. Mesmo que essa hipótese seja verdadeira, ela não explica a origem da vida, apenas a origem da vida na Terra.

A questão é complicada, pois não sabemos nem mesmo como definir vida propriamente. Um vírus, por exemplo, só está vivo quando em contato com um outro organismo vivo. Em princípio, deveria ser possível encontrar uma "receita", misturando-se alguns dos ingredientes que sabemos serem importantes em seres vivos, de forma a criar moléculas orgânicas capazes de se reproduzir e de se alimentar do ambiente à sua volta, duas condições usadas na definição de um ser vivo. Mas ainda estamos longe de encontrar essa receita.

Finalmente, a origem da mente. De onde vem a nossa essência, o que chamamos de "eu"? Hoje, a pesquisa em ciências cognitivas indica que a mente (ou o nosso "eu") é criada pelo cérebro, por meio de manifestações complexas de redes de neurônios espalhadas pelo seu volume. Imagens do cérebro em funcionamento, obtidas usando ressonância magnética ou tomografia de elétron-pósitron, mostram como áreas diferentes respondem tanto a estímulos externos, como a foto de alguém conhecido ou uma música, como a estímulos internos, como na invocação de memórias ou na redação de uma carta.

Dentro da visão moderna, o cérebro funciona como uma espécie de teatro da mente, recriando a realidade física externa a partir de nossos sentidos e percepções. O que chamamos de "eu" é uma atividade fisiológica do cérebro, resultado de um contínuo processamento de informação. Na complexidade do cérebro residem tanto nossas concepções do que é vida ou da origem do Universo como de seu próprio funcionamento.

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