domingo, 8 de julho de 2001

Os padrões da história humana

Por que a história da humanidade evoluiu de forma tão distinta nos vários continentes nos últimos 13 mil anos? Quais fatores determinaram o domínio das culturas eurasianas sobre as culturas nativas da África e das Américas?

Essas questões são o foco do trabalho do professor de fisiologia americano Jared Diamond, que leciona na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Diamond resumiu suas idéias em um livro, "Guns, Germs and Steel", que recebeu o prestigioso prêmio Pulitzer em 1998. Hoje, gostaria de refletir sobre algumas dessas idéias, que acredito serem extremamente importantes no combate a um dos maiores males da sociedade, o racismo.

A questão do racismo não pode ser ignorada. Infelizmente, a noção aparece ao comparar-se o "sucesso", ou melhor, a dominação econômica das culturas européias e do leste asiático sobre as culturas nativas da África e das Américas, que são consideradas mais "primitivas". Ao analisar as causas desse desequilíbrio, Diamond tenta chegar à raiz do problema, mostrando que ele é consequência de diversos fatores, que incluem desde a preponderância das sociedades agrárias e do desenvolvimento de certas tecnologias devido a vantagens geográficas até a distribuição de doenças infecciosas nas várias partes do globo.

Historicamente, os impérios com instrumentos de metal conquistaram ou exterminaram as tribos com instrumentos de pedra. Até o final da última Idade do Gelo, que terminou há cerca de 13 mil anos, todos os humanos em todos os continentes viviam na Idade da Pedra, obtendo sua subsistência a partir da caça e da colheita direta de alimentos nas florestas e nos campos. Por alguma razão, as populações em diferentes continentes desenvolveram-se em ritmos distintos entre 11000 a.C. e 1500 d.C., época que demarca o claro domínio das culturas européias sobre as culturas nativas.

Segundo Diamond, e eu estou de pleno acordo, a resposta não tem nenhuma relação com diferenças de Q.I. entre os vários povos. O único modo de entendermos essas disparidades é examinando os processos que as produziram. Como é que algumas centenas de conquistadores espanhóis dizimaram os impérios inca e asteca, cujas populações eram de dezenas de milhões? O mesmo se deu com os nativos em nosso país e na América do Norte. Os invasores europeus tinham espadas de metal, armas de fogo e cavalos, enquanto que os nativos das Américas tinham apenas armas de madeira e pedra e nenhum animal que pudesse ser usado em combate.

Mas a conquista européia do Novo Mundo não se deu apenas por meio da vantagem militar. Foram as doenças infecciosas, como a varíola e o sarampo, introduzidas pelos europeus, que se espalharam de tribo em tribo, matando em torno de 95% da população nativa do Novo Mundo. Enquanto que na Europa essas doenças eram endêmicas, nas Américas e na África elas atuaram de forma devastadora. O mesmo na Austrália e nas ilhas do Pacífico.

Por que essas diferenças? É claro que as culturas nativas não desenvolveram doenças igualmente devastadoras para os europeus. A maioria das doenças epidêmicas que conhecemos floresceu em áreas de população densa, concentradas em cidades e vilas. Estudos mostram ainda que a maioria dessas doenças evoluiu a partir de doenças semelhantes em animais domésticos, muito mais comuns nas culturas agrárias européias. As culturas nativas tinham um número muito menor de animais domesticáveis.

O mesmo desequilíbrio ocorreu com plantas. O fato de a Eurásia ser geograficamente horizontal, enquanto que as Américas e a África são verticais é também fundamental. Na Eurásia, espécies domesticadas em um local podem facilmente adaptar-se ao leste e ao oeste, sem ter de enfrentar grandes diferenças climáticas. Já nas Américas e na África, o movimento tem de ser norte-sul, o que restringe a mobilidade dos animais e plantas domésticos.

O excesso de comida proveniente da domesticação de animais e plantas favoreceu o desenvolvimento de sociedades agrárias onde o poder era centralizado. Com isso, uma classe de artesãos tornou-se possível, que passou a desenvolver tecnologias e não apenas alimentos. Claro, não podemos ir a fundo aqui. Mas acho que Diamond deu um grande passo na compreensão das disparidades que hoje regem a nossa sociedade: armas de fogo, germes e ferro.

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