domingo, 9 de setembro de 2001

Canibalismo galáctico

Nos últimos 20 anos, a astronomia extra-galáctica vem revelando uma série de propriedades inesperadas sobre a distribuição de galáxias no Universo. É incrível que até 1924 não se sabia ao certo se a Via Láctea era a única galáxia no Universo, ou se existiam outras como ela. Usando o telescópio de 100 polegadas (a medida refere-se ao diâmetro do espelho coletor de luz) situado no topo do Monte Wilson, o astrônomo norte-americano Edwin Hubble mostrou que muitas das nebulosas visíveis não eram parte da nossa galáxia, mas sim galáxias tão vastas e complexas quanto a nossa.

Hoje, sabemos que o Universo visível contém centenas de bilhões de galáxias, cada uma delas com centenas de bilhões de estrelas. No mínimo, a vastidão cósmica nos inspira uma profunda humildade: uma espécie inteligente, orbitando uma estrela relativamente medíocre, em uma galáxia que, apesar de belíssima, não tem nada de especial. O que é especial é a nossa capacidade de compreender o cosmo a partir de um planeta insignificante, usando apenas a nossa criatividade, motivada por uma atração irresistível pelo desconhecido.

O famoso filósofo alemão Immanuel Kant foi o primeiro a propor um mecanismo físico para a formação de galáxias. Em um ato de extrema coragem intelectual e profunda intuição, Kant visualizou o nascimento de galáxias a partir da contração gravitacional de gigantes nuvens de gás. A combinação da contração com o movimento de rotação da nuvem gera uma forma achatada, que é típica não só de várias galáxias, mas também de sistemas solares como o nosso, onde as órbitas dos planetas em torno da estrela central localizam-se aproximadamente em um disco, como em uma pizza. Kant especulou que a mesma estrutura hierárquica se repete através do Universo, desde os planetas com suas luas até as galáxias com suas inúmeras estrelas.

No entanto, ainda não sabemos ao certo como nascem as galáxias. Existem duas teorias básicas. Uma diz que galáxias como a Via Láctea nascem da contração de uma única nuvem de gás que vai se achatando aos poucos, de forma semelhante ao que propôs Kant. Uma outra teoria, a mais aceita atualmente, diz que a história de uma galáxia é extremamente rica e variada. Tal qual a história de uma grande cidade através de centenas anos, onde escavações e a comparação de mapas revelam mudanças estruturais e crescimento através da incorporação de subúrbios e cidades-satélite, as galáxias revelam uma grande variação na população e nas propriedades de suas estrelas. O estudo dessas variações indica que uma galáxia com as dimensões da Via Láctea é o resultado da incorporação de várias outras galáxias durante os bilhões de anos de sua existência. Esse fenômeno é conhecido como "canibalismo cósmico", com as galáxias maiores devorando as galáxias menores.

A confirmação observacional dessas teorias de canibalismo cósmico é difícil, mas vem avançando. Mesmo que o Sol e a maioria das estrelas na Via Láctea girem em torno do centro galáctico em órbitas ocupando um disco, outras habitam um halo aproximadamente esférico que circunda o disco. Mais ainda, as estrelas no halo são em geral mais velhas do que as estrelas no disco galáctico, sugerindo a possibilidade de duas épocas de formação da galáxia.

Para complicar as coisas, nos últimos dez anos astrônomos descobriram que as estrelas no halo exibem padrões de comportamento bastante anômalos. Algumas são extremamente jovens, enquanto que outras, embora separadas por enormes distâncias, parecem movimentar-se conjuntamente, como uma esquadrilha de aviões. Até mesmo pequenas galáxias parecem estar "submersas" dentro de nossa galáxia. Finalmente, o disco onde o Sol está não é o único, mas parece ser dividido em três, como uma torta de três camadas.

Essa rica estrutura de nossa galáxia é provavelmente o resultado de uma evolução gradual e não de um processo de formação único, favorecendo as teorias de canibalismo galáctico. Aparentemente, o apetite de nossa galáxia está já bastante satisfeito: medidas de velocidades de estrelas no disco sugerem que a última grande absorção de uma galáxia satélite ocorreu há 12 bilhões de anos, durante a infância galáctica. Mas isso não significa que absorções menores não estejam ainda ocorrendo. Como tudo mais no Universo, nossa galáxia é um projeto contínuo, em constante transformação.

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