domingo, 16 de setembro de 2001

O dilema genético

Estamos todos, cientes ou não, querendo ou não, sendo arrastados pelo turbilhão causado pelas novas descobertas da engenharia genética. Sérias questões éticas, que deveriam ser discutidas por toda a sociedade, ocupam manchetes de jornais e revistas do mundo inteiro, relatando as maravilhas e os perigos da manipulação dos genes. Muitas pessoas encontram-se confusas, vítimas do inevitável sensacionalismo e da propagação de idéias erradas, sem saber como se posicionar perante as várias questões que emergem do agitado debate genético. Gostaria de tocar em alguns dos vários ângulos dessa questão, deixando clara ao leitor ao menos a minha posição.

Primeiro, os alimentos transgênicos. Sem a menor dúvida, engenhar vegetais capazes de sobreviver aos ataques de várias pragas e ainda de produzir bem mais por planta é de grande importância para a humanidade. Imagine como isso não ajudaria no combate a um dos maiores males que nos afligem, a fome. Vejo favoravelmente a manipulação genética da soja, do milho, ou de vários outros alimentos, contanto que eles não comprometam a estabilidade ecológica das regiões onde são produzidos.

Recentemente, cientistas na Universidade de Cornell nos EUA mostraram que larvas da borboleta monarca que se alimentam do pólen de milho transgênico morrem envenenadas. Caso esses resultados sejam confirmados em estudos mais detalhados, temos um sério problema em nossas mãos: um distúrbio no equilíbrio da cadeia alimentar pode ter várias consequências ecológicas, que nem temos hoje como prever. A solução não é proibir os transgênicos, mas exigir um estudo detalhado de seu impacto ecológico antes que sua produção em massa seja iniciada (ou continuada). A natureza é mais frágil do que parece.

A questão ética complica muito quando a aplicação da engenharia genética vai do reino vegetal ao animal. A clonagem de vários animais já é uma realidade: ovelhas, vacas, porcos etc. Não é surpresa alguma que se fale agora na clonagem de humanos. A iniciativa veio de um médico italiano, mas poderia ter vindo de qualquer outro mais interessado no oportunismo do que no código hipocrático. Aparentemente, ele já conseguiu 200 mulheres dispostas a participar do experimento, que poderá se dar até em águas internacionais, para que sejam evitadas as legislações proibitivas de vários países. Espero que o navio jogue tanto que as pipetas usadas durante o procedimento quebrem todas.

Em conversas com vários profissionais da área, ficou claro o desdém que a maioria tem por esse tipo de aplicação. Argumentos baseados em infertilidade não são, a meu ver, relevantes. Se, de fato, todos os métodos de fertilização falharem, que o casal adote uma criança, pois essas em necessidade é que não faltam. Riscos e prováveis consequências da clonagem humana são horrendos demais e não são justificados pelos potenciais benefícios.

Por outro lado, o uso das células-tronco é, a meu ver, mais do que justificado. Essas células, retiradas de blastocistos, embriões com alguns dias de vida, têm a capacidade de se transformar em qualquer célula especializada do corpo. Assim sendo, elas podem substituir células de vários tecidos e órgãos, como coração, pâncreas e sistema nervoso, oferendo a possibilidade de curar um sem-número de doenças, incluindo câncer, doença de Alzheimer, mal de Parkinson, diabetes e defeitos congênitos, entre muitas outras.

O problema é que as células-tronco devem ser retiradas de embriões, que são destruídos no processo. Os críticos argumentam que a destruição dos embriões equivale a assassiná-los, que um embrião é já uma quase-pessoa. Mas eles esquecem que os embriões utilizados como doadores de células-tronco são aqueles rejeitados pelas clínicas de fertilidade, os que não são implantados no útero da mãe. Portanto, eles seriam "destruídos" de qualquer modo, ou congelados e esquecidos. Como negar a possibilidade de restituir a vida a tantos que sofrem, baseando-se na preservação de embriões que serão destruídos? Ao menos, como doadores de suas células-tronco, esses embriões estarão participando de outras vidas, dando nova chance a milhões de doentes mundo afora. A escolha é clara.

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