domingo, 23 de setembro de 2001

Religião, ciência e terror

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É inevitável, após os terríveis acontecimentos do dia 11 de setembro, não refletir sobre suas causas e consequências. Meu plano original para a coluna de hoje, escrita dois dias após o incidente, era discutir as explosões mais violentas que ocorrem no Universo, conhecidas como explosões de raios gama. Aparentemente (não sabemos ainda ao certo), elas estão ligadas ao colapso de objetos estelares gigantescos. Especula-se que essas explosões, de uma fúria inimaginável, estejam relacionadas com o nascimento de galáxias, que por sua vez contêm milhões ou bilhões de estrelas.
Reaparece aqui uma característica fundamental da natureza, a profunda conexão entre destruição e criação, as duas inseparáveis e complementares. Pelo menos, assim pensava eu até o dia 11 de setembro. Hoje, já penso de uma maneira diferente.

A natureza não cria e destrói, ela transforma. São os homens que criam e destroem, e o fazem com apetite igualmente insaciável. O evento de 11 de setembro, quando dois símbolos da supremacia financeira e militar norte-americana foram alvos de ataques terroristas, me parece uma cruel inversão das cruzadas da Idade Média, quando os cristãos marcharam da Europa até Jerusalém para liberá-la do domínio islâmico. Os "Soldados de Cristo" mataram todos os judeus e muçulmanos que encontraram pela frente, em massacres absolutamente abomináveis. E isso em nome de sua religião, de sua profunda crença de que as suas ações homicidas eram perfeitamente justificadas pelo seu objetivo último, a busca pela redenção no dia do Juízo Final. Para os participantes das cruzadas, ao menos aqueles que não detinham interesses econômicos oportunistas, não havia uma distinção entre a realidade e a fantasia. Suas vidas eram parte do grande drama apocalíptico, que pregava que seu martírio e heroísmo seriam consagrados por toda a eternidade no paraíso.

O mesmo tipo de extremismo religioso leva os terroristas islâmicos a se suicidarem, explodindo bombas e aviões comerciais contra alvos do inimigo, matando milhares de pessoas. A guerra deles, o Jihad, é uma guerra tão santa quanto foram as cruzadas para os católicos da Europa medieval. E igualmente assassina e covarde.

A violência abominável desse evento nos mostra quão pouco nós realmente mudamos nos últimos mil anos. A ciência moderna, que tem apenas quatro séculos, transformou nossa civilização, mas não nosso espírito. Se antes usávamos lanças e espadas para matar, hoje usamos aviões e bombas. Nossa imaturidade como espécie jamais foi tão flagrante como agora. Vejo, tristemente, que os ensinamentos da ciência, que nos revelam de forma tão elegante a sabedoria da natureza, não foram capazes de influenciar e amenizar o extremismo religioso que dita o comportamento de tantos indivíduos, incluindo aqueles que optam por matar em nome de sua crença.

É importante discernirmos ciência como método de estudo do mundo natural dos usos que as pessoas fazem dela. A pesquisa imunológica descobre a cura para inúmeras doenças, mas também pode criar armas de destruição. A energia nuclear pode ser usada de forma responsável ou irresponsável, e assim por diante. Quando falo em ciência, falo do seu método de descoberta, de como nos apropriamos do conhecimento a respeito do mundo natural.

Esse método mostra, antes de mais nada, que ninguém é dono da verdade, que o conhecimento é acumulado a partir de um esforço conjunto, que envolve um trabalho de crítica e reavaliação constante, processo em que a única autoridade é o consenso final. Essa definição mostra que a ciência funciona de modo totalmente oposto ao extremismo religioso, em que a única verdade é baseada num dogma absolutamente rígido e inflexível e o debate é inexistente.

Parece-me que o extremismo religioso é uma forma de escravidão espiritual. Na medida em que toda a revelação deve ser aceita com base na fé, nada resta ao indivíduo senão aceitar passivamente essa "verdade", como um autômato que aceita os comandos de seu programa de computador. A ciência pode não ter todas as respostas, mas ao menos oferece autonomia ao indivíduo, fornecendo os instrumentos de sua liberdade. E, ao fazê-lo, nos ensina também a respeitar a vida e a lutar por sua preservação.

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