domingo, 17 de fevereiro de 2002

Vôos da imaginação científica

A física, sendo uma ciência empírica, precisa ter suas teorias testadas por experimentos e observações feitos no laboratório ou, no caso da astrofísica, por meio de telescópios e outros instrumentos usados em medidas astronômicas. Portanto, teorias só são aceitas pela comunidade quando elas sobrevivem a toda uma bateria de testes realizados independentemente por vários grupos.


Esse processo, na verdade, é contínuo. Teorias que são aceitas hoje serão consideradas incompletas no futuro, quando elas forem testadas além dos limites da tecnologia atual. Um exemplo disso é a mecânica de Newton, que descreve muito bem os movimentos que ocorrem a velocidades bem menores do que a velocidade da luz, mas que falha para velocidades "relativísticas", isto é, comparáveis à velocidade da luz. Isso só ficou claro quando, no século passado, foi possível revelar os limites da mecânica newtoniana usando tecnologias que não existiam nos séculos anteriores.

O interessante é o que acontece quando temos teorias aparentemente saudáveis, mas que ainda não podem ser testadas empiricamente, em geral devido a limitações tecnológicas. É justamente nesse espaço entre a especulação teórica e o que é testável que brotam novas idéias em ciência. Pode-se até dizer que esse é o espaço em que vive a imaginação científica, onde cientistas, munidos de intuição e técnicas matemáticas, criam mundos imaginários que podem ou não corresponder à nossa realidade. Quanto mais longa a espera por dados empíricos, mais altos os vôos da imaginação científica, mais audazes as especulações e, consequentemente, maior a queda.

Essa é a situação atual da física das partículas elementares, dedicada ao estudo dos componentes mais fundamentais da matéria, como os elétrons e os quarks, as partículas que compõem os familiares prótons e nêutrons. Tudo o que se sabe sobre as partículas fundamentais e as suas interações entre si está resumido no chamado modelo padrão, que explica, com enorme sucesso, as propriedades e interações dessas partículas até energias centenas de milhares de vezes maiores do que as energias nucleares. Isso é, sem dúvida, um enorme triunfo da física moderna, que merece ser celebrado.

Para testar o modelo padrão, foi necessária a construção de máquinas extremamente complexas, com custos de bilhões de dólares, como as que existem nos EUA e na Suíça. Para quem acha um absurdo gastar essa quantia com ciência, é bom lembrar que apenas um bombardeiro B-2 da Força Aérea dos Estados Unidos custa mais de US$ 1 bilhão.

O problema é que o modelo padrão tem sérias limitações. A maioria dos físicos acredita que exista uma outra realidade além dele, que só será revelada quando alguém testar a interação entre as partículas a energias ainda mais altas do que as possíveis com a tecnologia atual. É aqui que entram as várias especulações teóricas, que tentam preencher as lacunas do modelo padrão.

Uma delas, a mais popular, tem o nome de supersimetria. Uma de suas várias vantagens é prever que as três forças fundamentais que regem as interações entre as partículas (a eletromagnética e as forças nucleares forte e fraca) serão unificadas a energias trilhões de vezes maiores do que as energias testáveis atualmente.

A teoria supersimétrica é extremamente elegante e promissora. Porém, uma de suas previsões é dobrar o número existente de partículas elementares, criando uma espécie de "mundo sombra", onde cada partícula de matéria teria o seu par: o elétron teria o "selétron", os quarks teriam os "squarks" etc.

Até agora, ainda não se observou nenhuma dessas parceiras supersimétricas, embora elas estejam sendo avidamente procuradas (no final de janeiro, o acelerador de partículas do Laboratório Nacional Fermi, o Fermilab, perto da cidade americana de Chicago, concluiu três anos de busca com resultado negativo). Isso não significa que a supersimetria esteja errada, ao menos por enquanto. É possível que as parceiras supersimétricas sejam muito mais pesadas do que as partículas normais, sendo, portanto, indetectáveis nos aceleradores atuais.

Como toda teoria bem arquitetada, a supersimetria também tem limites. O teste final virá em 2007, quando um acelerador em construção na Suíça será capaz de criar as partículas supersimétricas, caso elas existam. Caso contrário, o mundo será menos elegante, e outra teoria talvez ainda mais audaz terá de explicar as limitações do modelo padrão. Mas, ao menos, nós saberemos disso.

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