domingo, 24 de fevereiro de 2002

A origem da vida revisitada

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Tudo o que é vivo, pelo menos dentro do que nós conhecemos como o que é vivo, é composto de complicadas moléculas ricas em carbono. Durante o primeiro bilhão de anos de vida da Terra, o grau de complexidade dessas moléculas cresceu até que, em certo ponto, elas passaram a ser capazes de se replicar e de se sustentar a partir da utilização de recursos do ambiente onde existiam. Em outras palavras, o inanimado virou animado, o que era um composto de carbono passou a ser um organismo vivo, capaz de se multiplicar e de se alimentar. Essa transição é um grande mistério.

O fato de a origem da vida ser um mistério não significa que temos de criar agentes sobrenaturais para explicar o que a ciência atual ainda não explica. A nossa ignorância não deve abrir portas para a superstição, mas sim para uma intensificação de nossas pesquisas, para que possamos, eventualmente, chegar a uma explicação aceitável. A origem da vida é uma questão científica e não teológica. Sendo assim, o que podemos dizer sobre ela, baseados na ciência moderna?

Até recentemente, muitos acreditavam que a resposta para o enigma da vida já havia sido dada pela teoria da evolução de Darwin, adicionada da genética moderna. Segundo a teoria da evolução, o motor por trás da incrível variedade entre as espécies é o processo de seleção natural, onde seres vivos são mais ou menos adaptados para sobreviver em seu ambiente e sob a constante competição com outras espécies por espaço e comida. A variação dentro de uma espécie ocorre devido a possíveis mutações genéticas durante a sua reprodução. Por exemplo, duas girafas de pescoço curto geram acidentalmente (essa é a mutação) uma girafa de pescoço mais comprido. Essa girafa mutante cruza com outras girafas e passa os seus genes para outras gerações, até que mais e mais girafas de pescoço comprido vão aparecendo. Como essas girafas podem alcançar as folhas mais altas das árvores, elas podem sobreviver melhor do que as de pescoço curto. Passados milhões de anos, só sobrevivem as girafas de pescoço comprido.

Raramente uma mutação será benéfica para a sobrevivência de uma espécie. Mais ainda, essas mutações são acidentais, sem causa ou objetivo final. Elas ocorrem aleatoriamente, levando ou não a uma vantagem do mutante sobre os seus companheiros de espécie.

A teoria da evolução é extremamente eficiente na descrição de como as espécies se diversificam. Mas ela não explica o "fenômeno vida", a transição entre o inanimado e o animado a que me referi antes. Dizer que a vida aqui na Terra veio do espaço também não resolve a questão, apenas a muda de lugar. O que complica as coisas é uma lei da física conhecida como segunda lei da termodinâmica, que diz que sistemas isolados (aqueles que não podem trocar energia com o exterior) tendem a ficar cada vez mais desordenados com o passar do tempo. Existe uma quantidade, a entropia do sistema, que mede o seu grau de desordem: quanto mais desordenado um sistema, maior a sua entropia. Ora, seres vivos são sistemas extremamente complexos, parecendo violar essa lei do crescimento da entropia. Como tal manifestação de ordem pode surgir em uma região pequena do espaço (um organismo) e sobreviver durante tanto tempo? A resposta vem do fato de seres vivos não serem sistemas isolados.

Quais os princípios organizadores por trás da complexidade dos seres vivos? Existem sistemas em física e química que são extremamente ordenados, mas que surgem espontaneamente a partir de estados extremamente desorganizados. Ordem surgindo da desordem, gerando complexidade onde antes havia apenas incoerência. Esses sistemas têm duas coisas em comum: eles são capazes de interagir consigo mesmos de formas complicadas e também de trocar energia com o exterior. A interação permite que o sistema se organize: por exemplo, o vapor d'água, quando é resfriado, condensa em gotículas que, de todas as formas, "escolhem" a forma esférica. Essas gotas são estados organizados. Já a troca de energia com o exterior tem duas funções: ela fornece a energia necessária para a formação de estados organizados e, em certos casos, mantém esses estados em existência, impedindo sua degeneração em um estado final desorganizado. A vida deve vir desse surgimento espontâneo de ordem a partir da desordem, ainda misterioso, mas cada vez menos.

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