domingo, 17 de março de 2002

Vida, extinção e evolução

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É comum dizer que existe uma tensão na natureza entre tendências criadoras e destruidoras. Essa polarização é fruto de nossa percepção limitada da realidade, que tende a organizar tudo a partir de opostos: o frio e o quente, o macho e a fêmea, a luz e as trevas. A Natureza não tem uma dimensão moral, e pouco se importa com o que chamamos de criação e destruição. Dito isto, aqui estamos nós, produtos improváveis de apenas alguns bilhões de anos de evolução, seres vivos capazes de não só sobreviver em um mundo hostil mas, também, de se questionar sobre as suas próprias origens. O homem é o maior dos mistérios.

Para tentarmos entender as nossas origens, temos antes de reconstruir a história da Terra e dos seus vários habitantes que nos antecederam. Se os primeiros hominídeos apareceram há aproximadamente 3 milhões de anos, a vida pelo que determinamos hoje apareceu em torno de 3,5 bilhões de anos atrás, quando a Terra resfriou o suficiente para ter oceanos. De onde vieram as primeiras formas de vida e como elas se formaram permanecem questões em aberto.

Questões que, aliás, talvez sejam impossíveis de serem respondidas precisamente. Para tal precisaríamos de detalhes, de fósseis dos primeiros seres vivos, que podem estar perdidos para sempre.

Talvez seja mais prudente começar com questões simples, relacionadas à diversidade das formas de vida e não à sua origem. O registro fóssil da Terra mostra que a história da vida aqui é extremamente dramática; em muitos (mas não todos) casos, períodos de grande diversificação e estabilidade foram terminados por grandes extinções, nas quais uma fração alta das espécies desapareceu abruptamente e não gradualmente. A extinção dos dinossauros, que ocorreu há 65 milhões de anos, é o exemplo mais popular dessas catástrofes do passado.

Após duas décadas de muita discussão entre geólogos, palentólogos, químicos e físicos, e do acúmulo irrefutável de provas, ficou claro que a extinção dos dinossauros foi causada pelo impacto com um asteróide de aproximadamente 10 quilômetros de diâmetro, que ocorreu onde hoje é o Golfo do México. A cratera cavada pelo invasor extraterrestre tem um diâmetro de quase 200 quilômetros. Para chegar a essa conclusão foram necessárias várias pistas diferentes, deixadas pela violência do impacto: cristais de quartzo exibindo fraturas devido ao aumento absurdo de temperatura de milhares de graus e pressão milhões de vezes acima do normal; rochas desfiguradas pela energia do impacto; microesferas de vidro, criadas pelo rápido resfriamento de rochas derretidas durante o impacto; traços do elemento irídio, raríssimo na superfície da Terra, mas comum em certos asteróides; gases raros aqui na Terra, mas comuns no espaço, encontrados aprisionados dentro de certas moléculas com a estrutura de uma bola de futebol, chamadas fulerenos; traços de carvão vegetal em concentrações milhares de vezes maiores do que o normal, devido à queima de florestas inteiras.

Cito essa longa lista de provas para que o leitor fique a par de como certas conclusões são obtidas por cientistas. O trabalho de inspeção é exaustivo e a análise é quantitativa, numa combinação de lógica dedutiva e técnicas de laboratório. A idéia especulativa (a extinção causada por um impacto) é apenas o início do processo de descoberta, não o seu fim.

Recentemente, o refinamento das técnicas de análise geológica motivado pelo debate sobre os dinossauros vem gerando mais polêmica: aparentemente, uma outra extinção em massa responsável pelo desaparecimento de 90% da vida no planeta conhecida como "a grande morte", também foi causada por um impacto catastrófico com um bólido celeste. Esse evento ocorreu há 250 milhões de anos, e uma possível cratera do mesmo tamanho que a deixada no Golfo do México foi encontrada na Austrália. A conclusão ainda não é firme como com os dinossauros, mas é bastante plausível.

O que comprova a incrível versatilidade da vida. A cada impacto as formas de vida se renovam com uma intensidade impressionante, como se um caldeirão genético entrasse em ebulição juntamente com as rochas em torno do ponto de impacto. Os seres humanos, aliás, são consequência dessa renovação. Com a extinção dos dinossauros, os mamíferos, que antes eram insignificantes, tornaram-se os novos donos da bola. Em última análise, o homem é resultado de um acidente cósmico e da frenética criatividade da Natureza. O mistério permanece, mas não é inescrutável.

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