domingo, 18 de agosto de 2002

Em busca da supersimetria


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

O desenvolvimento da física deve muito ao conceito de simetria. Em geral, a natureza é complexa demais para ser descrita exatamente, em todos os detalhes. Felizmente, muitas vezes é possível desprezar a maioria das complicações, focando a atenção no essencial.

Se um objeto é apenas aproximadamente esférico, como a Terra, que é achatada nos pólos e, portanto, tem forma oblonga, nós o aproximamos como sendo esférico. Em algumas aplicações da física nuclear, ótimos resultados podem ser obtidos considerando idênticas as massas do próton e do nêutron, mesmo que em realidade o nêutron tenha uma massa ligeiramente maior.

À parte a utilidade dessas simplificações, a busca por padrões e simetrias em processos físicos revela propriedades inesperadas. Átomos em estados excitados só podem emitir radiação em certas frequências, que dependem da simetria global do sistema. Mas é na física das partículas elementares que o conceito de simetria atinge o seu auge.

Tudo o que se sabe hoje sobre o mundo dos constituintes fundamentais da matéria está resumido no chamado Modelo Padrão. São 12 as partículas de matéria, seis quarks (que compõem, entre outros, o próton e o nêutron) e seis léptons (o elétron é um deles). São quatro as forças que regem as interações entre as partículas fundamentais: a gravidade, o eletromagnetismo e as forças nucleares fraca e forte. As forças entre as partículas de matéria também são descritas por partículas, chamadas bósons.

Uma imagem útil é a de dois patinadores no gelo atirando bolas de tênis entre si. Os patinadores são as partículas de matéria e as bolas de tênis são as partículas de força, descrevendo a interação entre as partículas de matéria. Por exemplo, dois elétrons, tendo a mesma carga elétrica, se repelem. Essa repulsão é descrita pela troca de fótons, os bósons da força eletromagnética.

O Modelo Padrão foi tenazmente construído através da constante interação entre experimento e teoria durante os últimos 50 anos, mas é incompleto. Várias questões permanecem em aberto.
As 12 partículas de matéria aparecem em três "famílias" de quatro partículas cada, dois léptons e dois quarks. A família que conhecemos melhor é a que contém o elétron, o seu neutrino e os quarks "up" e "down", que compõem o próton e o nêutron. Por que não quatro ou dez famílias? Por que existem apenas três forças fora a gravidade? Por que essas forças têm intensidades tão diferentes? E como construir uma teoria em que as quatro forças sejam descritas como sendo apenas uma, a força unificada?

Tentativas de resposta invocam teorias que vão além do Modelo Padrão, supondo a existência de simetrias e propriedades que ainda não foram detectadas. A mais promissora tem o nome de supersimetria, pois relaciona os dois tipos de partícula, as de matéria e as de força.
Segundo as teorias supersimétricas, cada partícula de matéria tem como companheira uma de força, e vice-versa. Com isso, essas teorias dobram o número de partículas elementares. Apesar de a supersimetria ter sido proposta há 28 anos, até agora nenhuma dessas partículas supersimétricas foi observada.

Apesar disso, as promessas dessas teorias são grandes o suficiente para justificar o otimismo de muitos físicos. Sem dúvida, a supersimetria pode resolver vários dos problemas do Modelo Padrão, explicando, por exemplo, por que as forças têm intensidades diferentes, ou como possivelmente construir uma teoria unificada das quatro forças.

Como a física é uma ciência baseada na validação empírica das teorias, otimismo, por maior que seja, jamais será suficiente. Será necessária uma demonstração experimental da validade da supersimetria, possivelmente através da detecção direta de partículas supersimétricas.

Nos próximos anos, duas máquinas serão capazes de detectar (ou não) essas elusivas parceiras supersimétricas. Uma é o acelerador Tevatron do Fermilab (EUA), e a outra, o acelerador LHC do Cern (Suíça). Como prêmios Nobel estão em jogo, a disputa EUA-Europa é intensa. Claro, existe sempre a possibilidade de a supersimetria não existir. Afinal, a natureza tende a ser mais esperta do que nós. E talvez não tão simétrica assim.

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