domingo, 11 de agosto de 2002

Turbilhão digital

Marcelo Gleiser

A vida moderna, mais do que nunca, se transforma num ritmo acelerado, devido ao incessante passo dos avanços tecnológicos. A tendência é que esse ritmo continue sempre a aumentar, mesmo que isso venha a requerer grandes inovações científicas.

Por exemplo, a miniaturização crescente dos computadores, que hoje têm processadores com milhões de componentes eletrônicos, chegará forçosamente a um limite, em que o seu tamanho será comparável ao dos átomos. Quando isso ocorrer, o progresso em computação terá de usar um novo tipo de máquina, baseada em processadores que serão compostos por moléculas, os chamados computadores quânticos. Fica difícil acompanhar essas novas tecnologias e a ciência por trás delas. E essa dificuldade tem sérias consequências sociais. Neste ensaio, reflito mais sobre os desafios educacionais dessa revolução do que sobre a sua ciência.

Mesmo que seja óbvio que o progresso digital não só é inevitável como bem-vindo, existem certos efeitos colaterais que devem ser pensados com muito cuidado. É praticamente impossível, sem o devido poder aquisitivo, se manter em dia com todos os tecnobrinquedos que existem no mercado. São DVDs, HDTVs (televisores de alta definição), palm pilots (computadores de bolso), telefones celulares com acesso à internet, câmaras digitais e por aí a fora.

Se eu repetir essa lista em cinco anos, ela certamente terá aparelhos que ainda nem imaginamos. Isso sem falar na constante produção de novas versões de programas, cada vez mais poderosas, que, para serem rodadas, precisam de computadores cada vez mais rápidos.
O alto custo e a constante renovação das tecnologias promove a existência de uma "subclasse" tecnológica, os deixados às margens do turbilhão digital. E, como o motor fundamental da sociedade moderna são a geração e a troca de informação, esses novos marginalizados digitais sofrem uma grande desvantagem no mercado de trabalho. Essa estratificação social é ainda maior em países onde a distribuição de renda é muito polarizada, como é o caso brasileiro.
Uma possibilidade é implantar um vasto programa de "internetização" das escolas, especialmente as públicas, aliado à formação de professores treinados no uso dessas novas tecnologias como instrumentos pedagógicos. O problema é que um plano dessa natureza, em um país com as dimensões do Brasil, é extremamente caro. É impossível que o governo, sozinho, possa arcar com os custos. E não é só isso. Devido à constante renovação tecnológica, esse compromisso tem de ser permanente.

Sem ter a presunção de querer oferecer aqui uma solução para um problema de tal complexidade (entender o comportamento dos átomos ou do Universo primordial é bem mais simples), gostaria apenas de sugerir uma opção que pode ter alguma utilidade. Por que não oferecer incentivos fiscais para que o setor privado possa financiar em parte essa "internetização" das escolas e o preparo dos professores? A lei de incentivo audiovisual tem sido extremamente importante, por exemplo, no sustento da indústria de documentários. Não seria difícil imaginar algo semelhante para a educação. E os incentivos fiscais não precisam se restringir a empresas. O contribuinte individual também poderia tê-los.

A explosão que está ocorrendo atualmente com a existência da internet e o fácil acesso à informação trará (e já está trazendo) profundas modificações sociais. Em princípio, é possível que cada um tenha uma voz, e que essa voz seja ouvida e opiniões sejam trocadas pelo mundo inteiro, sem nenhuma interferência geográfica (existe uma barreira linguística, mas a verdade é que o inglês é, de fato, a língua da rede).

Muitos estudantes brasileiros já participam desse debate. Mas muitos não sabem o que é a internet, ou como se liga um computador. Eu vejo isso como um grande desperdício de potencial humano, algo que deveria ser uma preocupação de todos. O governo declarou guerra ao analfabetismo e deu grandes passos na direção certa. Talvez seja hora de a sociedade como um todo se mobilizar na guerra pela "internetização" das escolas.

A comunidade acadêmica pode ter aqui um papel crucial, por meio de uma interação maior entre as instituições de ensino superior e de ensino médio. Por exemplo, com programas como "o cientista vai à escola", em que pesquisadores colaborem com educadores no desenho de instrumentos pedagógicos em suas áreas, como demonstrações em salas de aula usando recursos da internet. As possibilidades são inúmeras. E a necessidade, a julgar pela difusão da internet na vida dos estudantes das classes mais altas, é cada vez maior.

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