domingo, 13 de outubro de 2002

Partículas ou cordas?



Marcelo Gleiser
especial para a Folha
A física das partículas, a parte da física que se dedica ao estudo desses tijolos fundamentais da matéria, é a herdeira histórica do atomismo grego, que data de cerca de 400 a.C. Segundo os atomistas, a matéria é composta por entidades indivisíveis e indestrutíveis, os átomos.
Todas as formas materiais na natureza podem ser descritas como combinações de átomos em posições diferentes, como num jogo Lego. O que entendemos hoje da estrutura fundamental da matéria é muito diferente dos átomos dos gregos. Átomos modernos não são indivisíveis, mas formados de prótons e nêutrons em seus núcleos, circundados por elétrons.

Mais ainda, essas partículas não são indestrutíveis, mas capazes de várias transformações e interações entre si. Demócrito jamais imaginaria que uma partícula de matéria pudesse se chocar com uma de antimatéria, ambas desintegrando-se em radiação eletromagnética, a conversão entre matéria e "energia" descrita pela famosa equação E=mc2. Mas o espírito das duas é o mesmo, a busca pelas entidades fundamentais da matéria, pelo que existe de mais íntimo por trás da realidade material que nos cerca.

Durante o século 20, grandes avanços teóricos e experimentais levaram a uma compreensão dessa realidade material a distâncias extremamente pequenas. Por exemplo, usando aceleradores de partículas extremamente sofisticados, hoje é possível investigar o que ocorre dentro de um próton, a um milésimo de trilionésimo de centímetro (10-15 cm).

Esse mundo é muito diferente do que vemos à nossa volta; as regras mudam, a física muda. Esse é o mundo do quantum, onde é impossível medir com precisão arbitrária a posição e a velocidade de uma partícula, ou mesmo a sua energia. A essas distâncias tudo flutua, nada pára quieto, como se a realidade material se transformasse em uma sopa em constante ebulição.
O que ferve é a energia do espaço vazio, cujo valor nunca chega a ser exatamente zero. Essas flutuações de energia levam, através da interconversão de energia em matéria descrita acima, à criação e destruição de partículas e antipartículas, como bolhas aparecendo e desaparecendo constantemente em um caldeirão de sopa. Essas são as chamadas partículas virtuais, de existência efêmera, as flutuações do vácuo quântico, literalmente da energia do espaço vazio, do nada.

Essa visão do nada quântico traz consigo um sério problema. Se tentarmos calcular a energia do espaço vazio, obteremos um resultado infinito. Ou seja, segundo a física quântica, o nada armazena uma quantidade infinita de energia. Como nós ainda estamos aqui, algo deve estar errado com essa descrição do nada.

Nos anos 70, foi proposto que as entidades fundamentais da matéria não são partículas pontuais, mas cordas, entidades unidimensionais tais como cordas de violão vistas a grande distância. Essas cordas não têm nada a ver com as usadas em instrumentos musicais, sendo tubos alongados de energia vibrando freneticamente, de dimensões muito, muito menores do que o interior do próton. Portanto, elas não são visíveis nem mesmo nos aceleradores de partículas mais poderosos que existem ou venham a existir. Para comprovar a sua existência serão necessárias provas indiretas, que vêm sendo avidamente procuradas por pesquisadores do mundo inteiro- por enquanto, sem sucesso.

Mesmo que ainda não observada, a idéia de que as entidades fundamentais da matéria sejam cordas tem muitos defensores. Uma das vantagens é justamente o problema da energia infinita do espaço vazio. Usando cordas ao invés de partículas, essas energias se tornam bem mais tratáveis. Especialmente quando uma nova simetria é invocada, a supersimetria, em que partículas de matéria e partículas que transmitem forças entre elas podem ser relacionadas entre si.

As "supercordas" não só amortizam a energia do nada como também prevêem que as quatro forças fundamentais da natureza, quando vistas a distâncias minúsculas, são uma só. Caso a teoria de supercordas esteja correta, não só a matéria como todas as forças vêm delas.

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