domingo, 27 de outubro de 2002

O tamanho do Universo


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Pai, qual é o tamanho do Universo?", pergunta o garoto de nove anos ao seu pai. "Ah, sei lá filho, muito, muito grande", responde o pai, meio irritado, mais interessado em ler o jornal do que em conversar com o filho. "Mas, pai, se o Universo tem tudo dentro dele, como que ele pode ser só muito grande? O que está do outro lado?", insiste o garoto. O pai joga a toalha, "Olha filho, o Universo é infinito, OK? Não tem nada do lado de fora!" "E como você sabe disso?", continua o filho. "Você ou alguém já foi até o fim do Universo?"

Pois é, as crianças às vezes fazem mesmo essas perguntas, para a aflição dos adultos. Infelizmente, muitos se esquecem de que, quando eram crianças, também tinham essas dúvidas. Após anos de educação, a curiosidade por essas grandes questões vai murchando e as perguntas vão ficando cada vez mais raras. O escritor tcheco Milan Kundera, em seu livro "A Insustentável Leveza do Ser", proclama que as perguntas mais fundamentais são justamente aquelas feitas pelas crianças. Muitas vezes elas são perguntas sem resposta, que forçam as pessoas a expandirem os seus horizontes culturais e a sua criatividade na tentativa de respondê-las. De certa forma, o cientista mantém viva essa curiosidade, debatendo-se com as mesmas dúvidas que o afligiam quando criança. Essa visão pode parece meio romantizada, mas não é; sem essa curiosidade constante, sem a constante indagação, a ciência simplesmente não evolui. A pergunta é mais fundamental do que a resposta.

O que não significa que as respostas não sejam importantes. Voltando à questão do tamanho do Universo, livros inteiros podem ser escritos sintetizando as várias respostas que foram dadas a essa única pergunta através dos tempos. A preocupação com o tamanho do cosmo é tão antiga quanto a história da humanidade. Não podendo resumir essa fascinante história aqui, basta lembrar que apenas no final da Renascença o cosmo passou de fechado a infinito. O inglês Isaac Newton, que propôs a lei universal da gravitação, ponderou que o Universo deveria ser infinito em todas as direções; caso contrário, a atração gravitacional entre os corpos celestes faria com que eles se embolassem todos no centro, em vez de serem distribuídos através do espaço, conforme é observado.

Após Newton, a grande revolução na concepção das dimensões cósmicas veio com a descoberta da expansão do Universo, em 1929, pelo astrônomo americano Edwin Hubble. Anos antes, Einstein havia proposto um universo finito, com a geometria semelhante à da superfície de uma esfera, mas em três dimensões. (A superfície de uma esfera, por exemplo, uma bola, tem duas dimensões. Infelizmente, não dá para visualizar a superfície de uma esfera em três dimensões, daí o exemplo em duas dimensões.) O Universo de Einstein não só era finito como também estático, ou seja, o mesmo por toda a eternidade. Em 1931, após visitar Hubble, Einstein concedeu que a expansão do Universo era mesmo fato consumado. (Interessante que para Hubble a conclusão não fosse assim tão simples.)

Por incrível que pareça, hoje sabemos qual a geometria do Universo: ela é plana como a superfície de uma mesa, mas estendendo-se ao infinito em três dimensões. (Novamente, a superfície de uma mesa tem duas dimensões.) Será que finalmente respondemos à antiga pergunta? Ainda não. Dado que a velocidade da luz é a maior que existe, e é a velocidade com que a informação que coletamos sobre o Universo se propaga, o que observamos do Universo é apenas uma parte dele. Como o Universo existe há 14 bilhões de anos, estamos limitados a observações dentro de uma esfera com raio de 14 bilhões de anos-luz. Essa parte do Universo, a nossa vizinhança cósmica, sabemos que é plana. Mas nada podemos afirmar sobre o que existe "lá fora". Portanto, a menos que possamos de alguma forma ultrapassar a velocidade da luz -algo improvável no momento- essa vai continuar sendo uma daquelas perguntas sem uma resposta final. Mas cheia de respostas intermediárias, todas fascinantes.


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