domingo, 20 de outubro de 2002

Psicologia e evolução


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

A psicologia anda em guerra. Não a mais tradicional, baseada em Freud, Jung ou Lacan, mas a psicologia evolucionista, que tenta aplicar idéias da teoria da evolução de Darwin (e adaptações posteriores) para explicar certas facetas do comportamento humano e mesmo do desenvolvimento do cérebro. Os revolucionários, aqui, são os psicólogos que questionam o conceito básico da psicologia evolucionista, o de que muitos comportamentos observados em grupos e em indivíduos podem ser entendidos como resultado de uma guerra permanente entre os genes, que tentam preservar a sua existência a todo custo.

Por exemplo, alguns psicólogos evolucionistas afirmam que as fêmeas tendem a procurar relações monogâmicas com os machos mais poderosos do grupo de modo a proteger a sua prole. Segundo eles, esse comportamento não é simplesmente consequência de um instinto materno, o amor puro e descompromissado da mãe. Na verdade, a atitude das fêmeas não é particularmente devota à sua prole, mas aos próprios genes, que estão preservados nela. Portanto, em última instância, quem está determinando o comportamento das fêmeas não é o amor materno, e sim o DNA, cuja missão principal é se preservar a qualquer custo. É ele quem manda. Não é a toa que Richard Dawkins, um biólogo de renome que escreve livros de divulgação científica sobre a teoria da evolução, deu o título de "O Gene Egoísta" a um de seus livros.

Os críticos dizem que os psicólogos evolucionistas estão levando o poder dos genes muito ao extremo. Segundo eles, vários fatores culturais e, de modo geral, exógenos também afetam o comportamento dos indivíduos. O interessante é que isso pode ocorrer na esfera genética. Pequenas modificações nos genes que controlam o desenvolvimento embrionário podem levar a profundas mudanças em uma espécie ou a diferenciações entre espécies. Essas modificações podem decorrer da interação entre genes, células, organismos e habitat.

A idéia é que muitas das combinações genéticas que determinam comportamentos permanecem em estado de hibernação, ou seja, elas não são estimuladas durante o desenvolvimento do indivíduo. No entanto, mudanças no ambiente cultural ou natural em que fetos ou bebês se desenvolvem podem despertar algumas combinações genéticas desse estado de hibernação. Por sua vez, essas novas combinações podem influenciar o comportamento do indivíduo, segundo afirma o psicólogo americano Gilbert Gottlieb, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.

Já se sabia que fatores exógenos afetavam o comportamento das pessoas. A novidade é que muitos desses comportamentos existem em uma espécie de adega genética: tal como vinhos, selecionados de acordo com a ocasião, os genes que ditam esse ou aquele comportamento são estimulados seletivamente, de acordo com fatores exógenos.

Em uma experiência, camundongos separados de suas mães diariamente por alguns minutos demonstram, quando adultos, uma maior curiosidade na exploração de ambientes novos e, também, maior capacidade no aprendizado de novas tarefas. A explicação oferecida é que esses camundongos recebem mais atenção de suas mães quando retornam aos seus cuidados. Com isso, eles desenvolvem certos aparatos fisiológicos para controlar o estresse, como, por exemplo, aquele gerado durante a exploração de novos ambientes. Ou seja, o maior carinho das mães cria não só mais confiança nos camundongos como, também, uma maior capacidade intelectual. Isso pode parecer óbvio, mas não é. Nem sempre o filho predileto é aquele de maior capacidade intelectual na família. Parece-me que a inveja também pode ser usada como uma motivadora intelectual.

O problema maior aqui, como mostra o exemplo dos camundongos, é a falta de testes conclusivos. O mesmo experimento pode ser interpretado de modos diferentes, contribuindo para a confusão. Os genes podem ser egoístas, mas não são os únicos responsáveis pela complexidade do comportamento humano.

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