domingo, 3 de novembro de 2002

A obscura matéria escura


Marcelo Gleiser
especial para a Folha

O astrônomo americano Carl Sagan dizia que nós somos poeira das estrelas. Os elementos dos quais somos compostos, como o carbono, o nitrogênio e o oxigênio, vieram dos restos mortais de estrelas que existiram antes da formação do nosso Sistema Solar, há aproximadamente 5 bilhões de anos. Quando estrelas morrem, explosões gigantescas espalham a sua matéria através do espaço interestelar. Pois é essa matéria que, fazendo parte da Terra, é encontrada em nossos ossos e órgãos.

O interessante é que essa matéria, composta de prótons, nêutrons e elétrons, não tem muita relevância cósmica. Sem dúvida, é ela que compõe as estrelas e nuvens de gás que observamos pelo Universo afora. Mas esse tipo comum de matéria, que é chamada de matéria bariônica, não consiste em mais do que 1/6 da matéria total existente no Universo. A maior parte não tem nada a ver com a matéria da qual nós somos feitos. Não é composta de prótons e elétrons e não forma astros luminosos, como estrelas. Nós só percebemos a sua existência através da atração que ela exerce sobre a matéria luminosa comum. Por isso, esse tipo exótico de matéria é conhecido como matéria escura. Um dos grandes desafios da física moderna é desvendar a natureza dessa matéria. Se ela não é feita de átomos comuns, do que é feita?

Antes de abordarmos essa questão, vale notar que planetas, asteróides, ou outros astros que não produzem a própria luz (como fazem as estrelas), mesmo se feitos de átomos comuns, também são matéria escura. Eles são considerados matéria escura bariônica, menos interessante e já incluída no 1/6 mencionado acima. Portanto, quando falamos em matéria escura exótica, nos referimos àquela que não é composta de prótons e elétrons, os outros 5/6 da matéria cósmica, de composição desconhecida.

A maior pista que temos da existência de matéria escura é obtida quando se observa como as galáxias giram. Como tudo mais no cosmo, galáxias também giram em torno de seu eixo central. A velocidade de rotação é medida observando-se a luz de estrelas posicionadas a distâncias variáveis do centro. Se a galáxia fosse feita de matéria bariônica comum, a velocidade chegaria a um valor máximo a uma certa distância, e cairia em direção à borda. O que se observa é que a velocidade cresce e chega a um valor aproximadamente constante, sem diminuir na proximidade da borda. A explicação mais plausível é que existe mais matéria na galáxia do que a que produz luz. Essa matéria escura circunda a galáxia como um véu invisível, cuja massa altera a sua velocidade de rotação. As observações confirmam que todos os tipos de galáxia têm esse comportamento. A matéria escura está por toda parte.

Uma das teorias mais aceitas é que essa matéria escura é composta por partículas submicroscópicas exóticas, muito diferentes dos prótons e elétrons que formam os átomos normais. Caso isso seja verdade, deveria ser possível detectá-las aqui na Terra, na medida em que nosso planeta passeia pelo véu de matéria escura circundando a galáxia. Vários grupos de pesquisa, incluindo um na Universidade da Califórnia em Berkeley e outro na montanha de Gran Sasso, na Itália, vêm caçando essas partículas exóticas, até o momento sem sucesso. (Houve um alarme falso há um tempo na Itália, que causou grande alvoroço na comunidade científica.)

A idéia é ter um detector de partículas, feito de cristais de germânio (material que se usa também em chips de computador) mantidos a baixíssimas temperaturas. O detector possui uma superfície coletora, como uma rede, que tem a probabilidade de absorver um certo número de partículas de matéria escura por mês.

Quando a partícula se choca com os núcleos dos átomos de germânio, ela faz eles vibrarem e sua energia de movimento é transformada em energia de vibração do cristal. Por sua vez, essa energia de vibração é transformada em energia térmica. Dessas variações pode-se obter a direção original da partícula e a sua massa. Segundo os caçadores de matéria escura, uma detecção decisiva ocorrerá em breve. Nesse caso, a astrofísica estará abrindo uma nova janela para a física de partículas, numa belíssima união do micro com o macro. No meio-tempo, a matéria escura continua obscura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário