domingo, 30 de março de 2003

Censurando a pesquisa

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Existe, hoje, um cabo de guerra entre a ciência de ponta, em particular a pesquisa em genética, e órgãos legislativos e pessoas capazes de influenciar a opinião pública. De um lado, a pesquisa caminha rapidamente, com os cientistas tentando aperfeiçoar técnicas de clonagem que, em princípio, serão usadas no combate a várias doenças. De outro, questões éticas vão surgindo e influenciando um movimento contra essas pesquisas.

A meu ver, a confusão é tamanha que fica difícil distinguir entre ficção e fato, ou entre resultados concretos e medos mitopoéticos, como o da transformação do homem em monstro, ou mesmo em seu próprio destruidor. Mesmo com o passo acelerado das pesquisas, a imaginação está muito além da realidade. Ou do que pode ou não vir a ser possível.

No entanto, falar do que é ou não possível em ciência é arriscado. A história nos mostra o quanto nossos sonhos mais ousados acabaram por se tornar realidade: Leonardo da Vinci projetou máquinas voadoras, pára-quedas e submarinos, séculos antes de eles serem inventados. (Aliás, em uma visita recente ao Museu de Ciência e Indústria em Chicago, assisti a um documentário sobre a construção do pára-quedas de Da Vinci. Os engenheiros usaram os planos originais, que funcionaram magistralmente.)

Os exemplos são muitos. Talvez seja justamente por isso que existam tantos profetas do apocalipse genético. O cientista político Francis Fukuyama proclamou recentemente que o advento da engenharia genética e de medicamentos como Prozac anunciam o início de uma era "pós-humana da história": não só corpos, mas mentes também poderão ser moldadas pela nova medicina. Adiciono a explosão do uso da droga Ritalin, dada para milhões de crianças que supostamente sofrem de distúrbio de déficit de atenção, ou seja, que têm dificuldades de concentração e tendências rebeldes. A droga ajuda a controlar os sintomas, efetivamente domesticando as jovens feras. Bill Joy, co-fundador da companhia de computadores americana Sun, concorda com Fukuyama, chamando a atenção para o desenvolvimento da nanotecnologia, a possibilidade de construir máquinas de dimensões moleculares capazes de serem implantadas no corpo humano. Segundo ele, "será esse o caminho de destruição da humanidade".

Essa é a opinião dos que a revista "Scientific American" recentemente chamou, muito apropriadamente, de "tecnocínicos". Eles recomendam, em maior ou menor medida, o controle ou veto completo de pesquisas em engenharia genética e mesmo, no caso de Joy, de toda a pesquisa em robótica e nanotecnologia. Joy, e milhões de outros, temem que a união da genética com a física finalmente dê ao homem o poder de criar criaturas híbridas, meio gente meio máquina, capazes de feitos incríveis e, possivelmente, terríveis. No clássico da literatura gótica Frankenstein, da inglesa Mary Shelley, um médico cria um ser vivo a partir de pedaços de vários cadáveres. Mas o resultado é monstruoso, e quando o monstro exige do médico a criação de uma companheira, o médico recusa. Ele prefere destruir a sua criatura e ser morto por ela do que criar toda uma raça de monstros. Ecos dessa história ressoam até hoje no imaginário humano.

Mas a realidade talvez não seja assim tão lúgubre. O objetivo principal das pesquisas em clonagem não é a criação de criaturas tenebrosas, mas a cura de inúmeros males que afligem milhões de seres humanos. A maioria absoluta dos pesquisadores em engenharia genética não tem interesse em clonar seres humanos. Talvez a técnica seja do interesse de casais que não possam ter filhos e não queiram adotar, mas ela não tem fins curativos. O mesmo não é verdade com as células-tronco e seus possíveis usos. Banir ambas indiscriminadamente é fechar os olhos ao sofrimento de milhões.

Mais ainda, acredito que proibir a pesquisa científica simplesmente não dá certo; mais cedo ou mais tarde alguém irá redescobrir o que houver sido banido, seja em outro país, seja clandestinamente. A Inglaterra, por exemplo, tem uma política muito liberal com relação à clonagem. É inútil proibir a pesquisa unilateralmente. Quem perde é o país que a proíbe. Juntamente com os cidadãos que precisam de seus benefícios.

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