domingo, 9 de março de 2003

Detectando a matéria escura

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Os recentes resultados do satélite WMAP da Nasa confirmaram que, de fato, 23% da matéria existente no Universo é muito diferente da matéria da qual nós somos feitos. Diferente mesmo. Ela não é formada por átomos com prótons, nêutrons e elétrons. Dos quatro tipos existentes de interação entre partículas de matéria -eletromagnetismo, gravidade, forças nucleares forte e fraca-, ela experimenta apenas a força gravitacional e, talvez, a força nuclear fraca.

Isso significa que é extremamente difícil detectar essa matéria. Por ela não interagir com cargas elétricas (eletromagnetismo), não emite luz. Daí o seu nome, "matéria escura". Em astronomia, sabemos que essa matéria existe apenas devido aos seus efeitos gravitacionais. Várias técnicas observacionais acusam a sua existência: a rotação das galáxias, mais rápida do que se infere a partir da matéria que vemos nelas; a curvatura exagerada dos raios de luz de uma fonte distante, ao passarem perto de uma galáxia ou um aglomerado de galáxias; e outras.
Observações astronômicas fornecem apenas evidência indireta da existência e das propriedades da matéria escura. Para resolver definitivamente esse mistério, é preciso detectar essas partículas aqui na Terra. O problema é como.

Existem teorias alternativas da gravidade que usam modificações da teoria da relatividade de Einstein para acomodar as observações astronômicas. Portanto, caso não seja possível detectar diretamente a matéria escura, essas teorias, mesmo se inelegantes sob vários pontos de vista, não poderiam ser descartadas. Teríamos de aceitar a possibilidade de a matéria escura não existir, e de a força da gravidade ter um comportamento diferente a distâncias galácticas e intergalácticas. Viveríamos em um Universo que permaneceria um mistério.

Existe uma outra possibilidade. Várias teorias da física de partículas elementares, que visa entender a constituição fundamental da matéria, propõem a existência de partículas que ainda não foram detectadas e que seriam excelentes candidatas para a matéria escura. A mais conhecida é chamada de supersimetria.

Deixando de lado os detalhes, ela prevê a existência de novas partículas elementares. De fato, uma para cada partícula elementar que já conhecemos. Em particular, prevê a existência da partícula neutralino, que tem todas as propriedades de uma partícula de matéria escura: é estável e, portanto, não se desintegra em outras partículas mais leves; massa e quantidade previstas na teoria são muito próximas das necessárias para fornecer os 23% de matéria escura do cosmo; interage não só através da gravidade, mas, também, da força nuclear fraca. Essa última propriedade permite sua possível detecção na Terra. O micro poderá resolver um dos mistérios do macro.

Se os cálculos estão corretos, cada metro quadrado de superfície da Terra (incluindo você) é atravessado por um bilhão de partículas de matéria escura por segundo. Isso porque a Terra, com o Sistema Solar, gira em torno do centro da Via Láctea a 220 km/s. Como a galáxia está imersa em um véu de matéria escura, o efeito é como o de correr e sentir o vento sobre a pele. Não sentimos o efeito desse bombardeio porque as partículas nos atravessam como se fôssemos fantasmas. Só muito raramente ocorre uma colisão entre uma partícula de matéria escura e uma de matéria normal. No máximo uma colisão por 10 quilos de matéria por dia. São essas colisões que podem ser detectadas, fornecendo prova (ou não) da existência de partículas de matéria escura. O problema é que, mesmo quando ocorrem, elas são muito fracas.

Existem vários detectores espalhados pelo mundo caçando neutralinos. Em breve, eles serão sensíveis o suficiente para detectar ou não essas partículas. Usando técnicas diversas, eles medem a energia transferida pelo neutralino para um núcleo de matéria comum durante uma colisão. O mistério da matéria escura poderá ser resolvido em menos de uma década, juntamente com a prova da existência de supersimetria. Ou não, nos deixando mais uma vez pasmos perante esse estranho Universo em que vivemos.

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