domingo, 6 de abril de 2003

Raios e trovões!

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Vivemos em um mundo elétrico. Em condições normais, durante um dia calmo num local plano e descampado, o aumento na eletricidade da atmosfera é inicialmente de cem volts por metro. Ou seja, do seu nariz até o chão existe uma diferença aproximada de 200 volts, quase duas vezes maior do que a eletricidade na tomada. Imagino o leitor perguntando: "Mas, nesse caso, por que não levamos grandes choques o tempo todo?". A razão é que o corpo é um bom condutor de eletricidade. Quando em contato com o chão, temos a sua mesma voltagem, que definimos como sendo zero. Já com a atmosfera, a situação é bem diferente.

Com o aumento de altitude, a variação na voltagem diminui. Isso porque a voltagem depende da densidade do ar, que também diminui com a altitude. Mas os números são impressionantes. A diferença de potencial entre o topo da atmosfera, a 50 quilômetros de altitude, e o chão é de 400 mil volts.

De onde vem essa eletricidade toda? E o que a mantém? Antes de mais nada, é importante frisar que ninguém vai ser eletrocutado pela atmosfera. A menos, claro, que a pessoa seja atingida por um raio. O ar, felizmente, não é um bom condutor de eletricidade. Mas alguma flui, passando cargas elétricas do céu para o chão.

Essa condutividade é causada por íons, por exemplo, uma molécula de oxigênio que ganhou ou perdeu um elétron, tornando-se eletricamente carregada. É bom lembrar que correntes elétricas são causadas pelo fluxo de cargas elétricas de um ponto a outro. Essas cargas são atraídas por cargas opostas. No caso da Terra, cargas positivas são atraídas para o chão. A questão então é de onde vêm esses íons e por que eles não acabam ao serem neutralizados na superfície.

Os íons caem dos céus. Em 1912, o físico austríaco Victor Hess usou um balão para testar a ionização da atmosfera. Para sua surpresa, descobriu que ela aumenta com a altitude. Uma nova área de pesquisa surgiu com a descoberta de Hess, os raios cósmicos. No Brasil, por exemplo, um dos expoentes dessa pesquisa no século 20 foi Cesar Lattes.

Raios cósmicos são originados provavelmente no centro ativo de galáxias distantes e outros objetos astrofísicos capazes de gerar verdadeiros jatos de partículas, acelerando-as pelo espaço interestelar. Ao chocarem-se com moléculas na atmosfera da Terra, essas partículas podem arrancar alguns de seus elétrons. Como a chuva cósmica é constante, a reserva de íons e, portanto, a fraca corrente atmosférica são sempre renovadas.

Existem outros tipos de íon. Quando uma onda arrebenta na areia, pequenas gotículas d'água salgada são atiradas para o alto. Quando a água evapora, cristais microscópicos de sal (NaCl) permanecem no ar, flutuando e coletando íons que porventura passem perto deles. Mas esses cristais são maiores e mais lentos do que os íons criados por raios cósmicos. A condutividade do ar é bastante variável, pois ela depende da quantidade local de íons mais rápidos e mais lentos.
Em grandes altitudes, a condutividade do ar aumenta indiscriminadamente. A corrente total atingindo a superfície é de aproximadamente 1.800 ampères. Com um potencial de 400 mil volts, isso gera 700 milhões de watts de potência. O que mantém esse enorme dínamo?

A 50 quilômetros de altitude, o ar é um excelente condutor. É como se a Terra fosse envolvida por uma esfera metálica, capaz de conduzir correntes horizontalmente. Mas, se cargas positivas caem sobre a superfície da Terra constantemente, o que a alimenta com as cargas negativas necessárias para neutralizá-las?

Existe aqui um equilíbrio de extrema elegância. As cargas negativas são supridas por raios durante tempestades. Em torno de 90% dos raios trazem cargas negativas para a superfície da Terra. Estima-se que cem raios caiam por segundo sobre a superfície da Terra, com um pico de atividade às 19h de Londres. (A floresta amazônica tem um papel fundamental nesse mecanismo regulador.)

Os detalhes de como raios são gerados ficam para outro dia. Mas, na próxima vez em que o leitor praguejar quando a tempestade elétrica começar, lembre-se de seu papel regulador da eletricidade em nosso planeta, constantemente bombardeado por cargas vindas do espaço.

Um comentário:

  1. Olá, professor.
    O Sr. poderia comentar sobre a especulação do Universo Elétrico, já que aqueles que postulam esta posição buscam mudar a própria noção de cosmologia, e não tenho visto na internet posiçoes em contrário, mas a favor, porém, não de fontes fidedignas. Será o polêmico Cesar Latter alguma vez postulou algo semelhante?

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