domingo, 7 de setembro de 2003

Independência e Marte!

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Este é um período difícil para os entusiastas da exploração espacial: a agência americana Nasa está comendo fogo após o relatório da comissão que examinou os motivos da trágica explosão do ônibus espacial Columbia. O Brasil, por sua vez, perdeu o seu terceiro foguete na base de Alcântara.

Ambos os acidentes custaram vidas humanas e, como na maioria dos acidentes causados por falhas técnicas, poderiam ter sido evitados. Tal como em crimes, é sempre bem mais fácil achar os culpados após a sua ocorrência. O duro é construir um sistema tão robusto que seja à prova de falhas e acidentes. Ou uma sociedade à prova de crimes.

Seria bom se a mesma dedicação fosse despendida tanto antes do acidente quanto depois. Mesmo que esse seja, obviamente, o objetivo de qualquer agência espacial -ninguém gosta de falhar-, na prática a situação é bem mais complicada: testes e controle de qualidade são custosos e dependem tanto da disponibilidade de pessoal treinado quanto de uma flexibilidade burocrática que é rara em grandes agências.

O que fazer, então? Suspender a corrida espacial? Impossível. No caso do Brasil, é imprescindível que o país atinja ao menos um nível básico de independência em tecnologia espacial, de modo a não ter de pagar à França, aos EUA ou à China para lançar os seus satélites. Aqueles que argumentam que o Brasil tem já muitos problemas e que lançar foguetes é uma tolice que deveria ser abandonada estão confundindo as bolas. Tomar conta de educação, saúde e fome da população não exclui o desenvolvimento de tecnologias de ponta no país.

Existe mesmo uma relação dual, aqui: sem um time de engenheiros e cientistas treinados, fica impossível atingir essa hegemonia tecnológica. E, sem programas de incentivo educacional, fica difícil motivar os jovens a seguirem carreiras nessas áreas. Quantas crianças não sonham em ser astronautas? Ou, ao menos, engenheiros aeroespaciais? Será que é tão absurdo assim pensar que, um dia, um brasileiro viajará à Lua numa espaçonave brasileira? E que será a bandeira do Brasil que iremos ver fincada na sua superfície? Não será mais absurdo achar que isso é impossível, que nós jamais seremos capazes de tal feito tecnológico? Que o nosso negócio é só com samba e futebol?

Enquanto isso, Marte brilha nos céus com uma luz que não se via há quase 60 mil anos e que demorará mais 281 anos para ser repetida. Escrevo este ensaio na noite em que o planeta vermelho atingiu a sua proximidade maior, 56 milhões de quilômetros. Saí de casa em torno das 22h e olhei na direção sudoeste, onde o planeta surge aqui na Nova Inglaterra.

Marte era o objeto mais brilhante nos céus, uma explosão de luz alaranjada ofuscando tudo mais que piscava ao seu redor. E me lembrei de como vi o mesmo planeta há duas semanas, nascendo juntamente com a Lua minguante nos céus de Búzios, no Rio de Janeiro. Era o mesmo planeta, lá e cá, mas sem dúvida mais belo lá, flutuando sobre a baía da Ferradura, do que cá, onde surgiu sobre uma floresta de pinheiros.

Para quem cresceu olhando para o Cruzeiro do Sul, um céu sem ele não é tanto um céu quanto um amontoado de estrelas. Belíssimas, mas apenas isso.

Não deveremos aprender nada de novo com a proximidade de Marte. Afinal, sondas já pousaram no planeta, e uma nova esquadrilha se dirige para lá no momento. A aproximação celebrada não tem tanto valor científico quanto cultural. As pessoas têm um enorme fascínio por Marte, o deus da guerra, que por tanto tempo inflou os sonhos de tantos com a possibilidade de vida extraterrestre.

Hoje, sabemos que, se existiu vida lá, foi só em um passado distante, quando Marte supostamente tinha um ambiente mais hospitaleiro aos compostos de carbono que executam alguma forma de metabolismo. Isso não significa que o planeta seja menos interessante.
Vulcões extintos recentemente, vales e enormes montanhas, a presença de água, tudo isso contribui para aguçar a curiosidade. Ao aprendermos sobre Marte estamos aprendendo sobre nós mesmos, sobre a história do Sistema Solar.

E, quem sabe, um dia isso não será feito com espaçonaves brasileiras? Absurdo? Espero que não.

Independência e Marte!


Marcelo Gleiser é professor de física teóri

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