domingo, 28 de setembro de 2003

Descida a um "Maelström" cósmico

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Nas lendas e mitos de todas as culturas, um tema reaparece com frequência: o das viagens fantásticas, em que um ou mais homens (e/ou mulheres) enfrentam enormes desafios e monstros em partes estranhas do mundo, reais ou imaginárias.

As aventuras simbolizam um processo de transformação pessoal, muitas vezes ligado a um despertar espiritual: a pessoa que sobrevive à aventura não é a mesma. Ela se torna herói (ou heroína), com uma visão de mundo diferenciada, mais sábia. Os perigos enfrentados e as várias tarefas que precisam ser concluídas representam passos nesse processo de amadurecimento. Nessas histórias, a pessoa se reinventa através de suas explorações. Quem conhece a trilogia épica "O Senhor dos Anéis" sabe ao que me refiro.

Quando era adolescente, devorava os contos de Edgar Allan Poe. Um dos que mais me impressionaram foi (e é) "Descida no Maelström", que narra a terrível aventura de um explorador que é tragado pelo Maelström, um redemoinho gigantesco que, segundo lendas da Idade Média, existia na costa da Noruega.

Uma viagem ao interior do Maelström era uma viagem só de ida; dele, ninguém saía. Apenas, claro, o narrador do conto, cujos cabelos, que no início da viagem eram negros como as penas de um corvo, tornaram-se inteiramente brancos.

A certa altura, quando era evidente que ele não escaparia da atração do turbilhão, diz: "Sentia positivamente um desejo de explorar-lhe as profundezas, mesmo ao preço do sacrifício que ia fazer; e meu maior pesar era que jamais poderia contar a meus amigos, na praia, os mistérios que iria conhecer". A astrofísica revela mistérios de turbilhões cósmicos ainda mais espetaculares.

A narrativa de Poe é metáfora excelente para uma viagem a um buraco negro. Mesmo que, na Terra, o Maelström tenha provavelmente cedido lugar a uma gigantesca plataforma de petróleo no Atlântico Norte, o cosmo está repleto deles. Uma viagem até um seria ainda mais memorável do que a do herói de Poe.

Buracos negros são formados quando uma estrela de massa bem maior do que a do Sol (ao menos oito vezes) esgota o combustível nuclear em seu interior e finalmente sucumbe à sua própria gravidade. O processo de implosão da estrela é marcado por um dos eventos mais espetaculares e energéticos que existem, uma explosão de supernova.

Após a explosão, que ejeta uma enorme quantidade de matéria e radiação através do espaço, resta um núcleo central, que vai encolhendo cada vez mais, devido à sua própria gravidade. Eventualmente, esse núcleo se transformará em um buraco negro. A força da gravidade de um objeto depende de sua massa e de seu tamanho. Por exemplo, a mesma quantidade de massa pode ter uma gravidade pequena, quando espalhada em um volume maior, ou grande, se concentrada em um volume menor.

Portanto, na medida em que os restos da estrela vão encolhendo, sua gravidade vai aumentando: quanto menor o objeto, mais difícil escapar dele. Em um certo ponto, o objeto é tão compacto, e sua gravidade, tão gigantesca, que nem mesmo a luz pode escapar dele. É então que dizemos que o objeto se transformou em um buraco negro.

Os efeitos estranhos de uma viagem a um buraco negro vêm da associação entre a geometria do espaço (e do tempo) e a quantidade de matéria nele. Segundo a teoria da relatividade de Einstein, matéria encurva o espaço e afeta o fluir do tempo. Um buraco negro é o caso extremo: o espaço à sua volta se fecha sobre si mesmo, como um casulo, e o tempo passa a ficar cada vez mais como o espaço.

Normalmente, podemos viajar em qualquer direção do espaço, mas o tempo só flui para o futuro. Num buraco negro, o oposto ocorre: só existe uma direção possível de viagem, ao seu centro, onde a gravidade é, teoricamente, infinita. De lá ninguém sai. A menos que o buraco negro esteja em rotação, como um redemoinho, um Maelström cósmico.

Nesse caso, o ponto central se abre em uma garganta, uma passagem pelo espaço até outro local no universo. Imagino que, se algum dia alguém conseguir atravessar essa garganta cósmica (chamada buraco de verme), sair com cabelos brancos será irrelevante. Mistérios profundos sobre a estrutura mais íntima do espaço e do tempo lhe seriam revelados. Acho que Poe concordaria comigo.

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