domingo, 21 de setembro de 2003

Teller e o preço da paz

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A morte do físico Edward Teller, aos 95 anos, no dia 9 de setembro, marca o fim de uma era na história da relação entre a física nuclear e o poder político. Teller foi o último dos grandes nomes envolvidos com o desenvolvimento de armas nucleares de destruição de massa, trabalhando na área desde a Segunda Guerra. Ele foi também o físico mais influente na política norte-americana de contenção nuclear, que dominou a Guerra Fria por 40 anos.

Sua política pode ser resumida em uma frase: o único caminho para a paz é a absoluta supremacia bélica dos países com fins pacíficos. Conhecido como o "pai da bomba de hidrogênio", bem mais tarde em sua vida confessou detestar esse título. "Nunca fui pai de coisa alguma", disse ele em entrevista na década de 90.

Talvez parte do posicionamento político de Teller possa ser fruto de duas experiências horríveis ainda em sua juventude: a invasão de seu país natal, a Hungria, pelo exército revolucionário soviético e a ascensão do nazismo na Alemanha no início dos anos 30, onde então vivia. Físico brilhante, deve ter decidido desde cedo que o papel social da ciência era promover a paz, mesmo que isto ocorresse às custas da força.

A ironia de sua posição é que os EUA foram, até hoje, o único país que usou bombas nucleares contra populações civis. A lógica do argumento usado para justificar essa ação é macabra: sem a detonação das bombas, os japoneses jamais teriam se rendido. E uma invasão ao Japão causaria muito mais mortes do que as bombas. Sim, de soldados americanos, talvez.

Quando perguntaram a Teller, numa comemoração do 50º aniversário da detonação da primeira bomba, o que achava do uso das bombas em Hiroshima e Nagasaki, respondeu que seu uso havia sido indevido. Uma detonação na alta atmosfera teria servido como demonstração do poder destruidor, fazendo com que o Japão se rendesse.

Por outro lado, argumentou Teller, ele nunca se arrependeu de ter trabalhado no desenvolvimento das bombas. Foram elas, dizia, que garantiram a paz mundial durante a segunda metade do século 20. Aparentemente, Teller esqueceu-se de um detalhe: construir bombas não dá ao construtor poder de decisão sobre quando e onde usá-las. Mesmo assim, enquanto a maioria dos físicos se revoltou contra elas, ele continuou a insistir em seu desenvolvimento.

Teller trabalhou no Projeto Manhattan, responsável pela construção da bomba atômica dos EUA.

As primeiras bombas usaram a fissão nuclear: núcleos atômicos pesados, como o urânio-238 (238 refere-se ao número de prótons, 92, e de nêutrons, 146, no núcleo) ou o plutônio, são literalmente cortados em pedaços (fissionados) por nêutrons livres, que funcionam como pequenas balas de revólver. A cada fissão, mais nêutrons são liberados, os quais, por sua vez, atingem mais núcleos. Cada núcleo libera uma alta quantidade de energia ao ser fissionado. Se o número de nêutrons e núcleos for alto o suficiente, inicia-se uma reação em cadeia. A explosão se deve à fissão descontrolada de trilhões de trilhões de núcleos.

Terminada a guerra, Teller foi para a Universidade de Chicago. Quando os soviéticos detonaram sua primeira bomba, em 1949, Teller convenceu o presidente Harry Truman a criar uma mais mortífera, a bomba de hidrogênio, ou bomba H, que ele chamava de "superbomba".
A detonação da bomba H se baseia na fusão nuclear: em vez de obter energia dividindo núcleos pesados, como na fissão, ela vem da fusão de núcleos de hidrogênio. É o mecanismo que ocorre no interior do Sol, responsável pela sua gigantesca produção de energia. A detonação de uma bomba H, efetivamente, é como um minissol que dura apenas um instante. A primeira explodiu em 1952, em Eniwetok, no oceano Pacífico.

Com a Guerra Fria, Teller teve a idéia de juntar a hegemonia da tecnologia espacial norte-americana com sua política de paz, a qualquer custo. Em 1983, ele convenceu o presidente Ronald Reagan a construir um sistema antimísseis, conhecido como "Guerra nas Estrelas", que falhou miseravelmente.

Mas Teller não desistiu. Quando George W. Bush decidiu reiniciar a construção do sistema, em 2001, ele comemorou: "Até que enfim!" Teller morreu acreditando em sua política. E tentando esquecer os horrores causados por ela.

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