domingo, 8 de fevereiro de 2004

Clima apocalíptico

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Há décadas cientistas vêm falando sobre os perigos do efeito estufa, o aquecimento da superfície terrestre causado pelo acúmulo de certos gases na atmosfera. A política ambiental americana, como se sabe, é desastrosa. Especialmente no presente governo, controlado por grupos de interesse ligados à indústria do petróleo. Até o presente, as previsões feitas por cientistas com relação a mudanças climáticas enfatizaram que elas são graduais, que os efeitos levariam décadas para serem percebidos.

Como existe um imediatismo na determinação de políticas ambientais (e todas as outras), é sempre mais fácil empurrar essas previsões futuras para o lado, fazendo vista grossa para os sinais já existentes das mudanças que estão por vir. "Temos problemas muito sérios agora. Não dá para ficar pensando no que pode ocorrer no futuro", diria um político sem conhecimento da ameaça climática.

As previsões de que as mudanças serão graduais estão sendo modificadas. Segundo novas pesquisas, podem ocorrer bem mais abruptamente do que o previsto. Em 2002, a Academia Nacional de Ciências dos EUA publicou relatório atestando que o clima pode mudar rapidamente. No Fórum Econômico Mundial do ano passado em Davos, Suíça, Robert Gagosian, diretor do Instituto Oceanográfico de Woods Hole (EUA), fez palestra alertando as autoridades mundiais sobre a possibilidade de que mudanças climáticas radicais ocorram em duas décadas, caso nada seja feito para controlar a emissão de gases-estufa.

Os indicadores incluem o derretimento acelerado das calotas polares e das geleiras alpinas e primaveras prematuras nas latitudes ao norte do planeta. A influência mais dramática do aquecimento global é na chamada corrente do Golfo, que circula dos trópicos ao Atlântico Norte e afeta o clima da Europa e o leste da América do Norte.

Na medida em que a corrente flui para o norte, ela libera calor, tornando-se mais densa. Um líquido mais denso sempre afunda quando em contato com outro menos denso, como mel em água. A corrente, mais densa, afunda na região do Atlântico Norte, circulando de volta aos trópicos, onde ela é reaquecida antes de fluir outra vez para o norte.
Quando a temperatura global aumenta, esse processo é modificado: com o degelo das calotas polares e geleiras, mais água doce entra no oceano, diminuindo a salinidade e a tendência de afundar. Isso pode interromper o circuito da corrente, provocando mudanças climáticas no hemisfério Norte similares às que ocorreram nos períodos glaciais.

Claro, não foi a poluição causada pelo homem que provocou a glaciação que ocorreu entre 78 mil e 13 mil anos atrás. Na verdade, não se sabe ainda exatamente o que a causou. Até bem recentemente, acreditava-se que o resfriamento teria ocorrido no planeta inteiro. Mas o estudo de certas camadas rochosas da Nova Zelândia mostrou que o hemisfério Sul não sofreu resfriamento comparável ao Norte, cujas temperaturas médias caíram mais de 7C. Parece pouco, mas não é. Durante a Idade do Gelo, a maior parte da América do Norte e da Europa foi coberta por uma espessa camada de gelo.

A indústria cinematográfica americana, como não poderia deixar de ser, já está preparando o superfilme-desastre, para julho de 2004. Nele, o ator Dennis Quaid faz o papel de um cientista que tenta salvar o mundo de uma catástrofe climática de dimensões apocalípticas, causada justamente por uma nova Idade do Gelo desencadeada pelo efeito estufa.

Segundo estimativas ainda bem preliminares, se a corrente parar de esquentar os países do Atlântico Norte, icebergs poderão ser vistos em Portugal. (E os portugueses vão querer voltar para cá.) Se o aquecimento não for tão extremo, poderá causar uma Mini-Idade do Gelo, como a que ocorreu entre 1300 e 1850, com invernos rigorosos, tempestades devastadoras e grandes secas.

Longe de mim querer ser alarmista bem antes do Carnaval. Mas a questão climática não pode ser deixada de lado. Não é este o mundo que queremos deixar para as futuras gerações.

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