domingo, 1 de fevereiro de 2004

Essa estranha gravidade

Marcelo Gleiser
especial para a Folha

Tudo cai, ao menos aqui na Terra. Cada vez que deixo cair as chaves, dinheiro, um copo (em geral cheio), enfim, coisas do dia-a-dia, imagino a gravidade, sorridente, dizendo: "Tá vendo, não dá para você se esquecer de mim".

De tão habituados que estamos com esse fato, nem nos perguntamos por que as coisas caem. Aliás, nem tudo cai. Caso contrário, balões de hélio ou hidrogênio, ou mesmo aqueles de São João, não subiriam. É mais correto dizer que cai tudo que é mais denso do que o ar.
Para evitar confusão, vamos deixar o ar de lado. Entra Galileu Galilei, na virada do século 16 para o 17. Foi o primeiro a perceber que, na ausência de ar, todos os objetos, sejam eles penas de galinha ou balas de canhão, caem com a mesma aceleração: se a pena e a bala caírem da mesma altura, chegarão ao chão ao mesmo tempo. Se não houvesse ar, claro.

Galileu não se perguntou por que as coisas caem. Ele se contentou em descrever como elas caem. Em 1600, William Gilbert, o médico da rainha Elizabeth 1ª da Inglaterra, sugeriu que a Terra era um ímã gigantesco (é mesmo, por isso funcionam as bússolas). Alguns anos mais tarde, Johannes Kepler, o alemão genial que revolucionou a astronomia, sugeriu que o Sol exercia uma força sobre os planetas que fazia com que eles girassem à sua volta. Ele julgou que essa força fosse magnética, já que ela agia à distância: o Sol não precisa tocar nos planetas para fazê-los girar à sua volta.

Entra Isaac Newton. Inspirado por Kepler e por Galileu, deu o grande passo que faltava: a força não é magnética e não existe só no Sol. Ele sugeriu que a força fosse gravitacional, agindo igualmente sobre os dois corpos.
Não é que a Terra atraia os objetos, fazendo com que eles caiam. Os objetos também atraem a Terra, com uma força da mesma magnitude e em sentido contrário. Só que, como a massa da Terra é muito maior do que a dos objetos, ela praticamente não se mexe, enquanto o objeto vai ao seu encontro.

Claro, quando o objeto é o Sol, é a Terra que se mexe: a sua órbita corresponde ao movimento de um corpo que está caindo sempre. Explico: imagine um canhão no alto de uma montanha muito alta. Se ele atirar uma bala sem muita velocidade, ela cairá perto da base da montanha. Quanto maior a velocidade, mais longe da base cairá a bala. Se a velocidade for muito alta, a bala seguirá a circunferência da Terra sem jamais tocar o solo. Ou seja, a bala entrará em órbita.

Órbita, então, é simplesmente a queda de um objeto que tem velocidade horizontal alta o suficiente para jamais tocar o solo. Segundo Newton, todo corpo com massa atrai outros corpos gravitacionalmente. E é igualmente atraído por eles. A teoria da gravidade de Newton descreve eficientemente os movimentos que vemos aqui na Terra e as órbitas dos planetas, cometas e outros objetos celestes. Mas ela não explica o que causa essa atração. Que propriedade estranha é essa que corpos exercem uns sobre os outros?

A massa do corpo indica a intensidade dessa atração. Mas por quê? Newton não tentou explicar. Ele dizia que entender isso não era relevante. (Mas, se tivesse entendido, aposto que não teria dito isso.)

Uma teoria científica explica o como dos fenômenos, e não os porquês. A teoria dele funcionava supondo uma atração a distância entre duas ou mais massas. Já era o suficiente.

Entra Albert Einstein, dizendo que a gravidade não precisa ser entendida como uma ação a distância entre dois corpos. Ela pode ser entendida como conseqüência da distorção da geometria do espaço na vizinhança de uma massa. Imagine um trampolim. Se não tem ninguém nele, ele fica plano. Uma bola de gude posta sobre a sua superfície não se mexe. Agora, imagine alguém na ponta do trampolim. Ele encurva. A bola de gude é acelerada em direção à pessoa.
Einstein disse que o mesmo ocorre com a curvatura do espaço. Em torno de uma massa, o espaço é curvo, e objetos são acelerados. Não sentimos isso porque nossas massas são muito pequenas para encurvar o espaço à nossa volta. Ainda bem. Caso contrário, a vida seria extremamente complicada.

Mas por que, perguntaria o leitor, a presença de uma massa encurva o espaço à sua volta? Que efeito estranho é esse? Pois é, que efeito estranho é esse? Einstein não saberia responder, e muito menos eu. Precisa entrar mais alguém.

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