domingo, 24 de outubro de 2004

Liberdade Assintótica

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Quando o Prêmio Nobel de Física deste ano foi anunciado, não pude deixar de sorrir. Os três, Frank Wilczek, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), David Gross, do Instituto de Física Teórica (IPT) da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, e H. David Politzer, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), foram premiados pela teoria que desenvolveram explicando o misterioso comportamento dos quarks, as partículas que compõem prótons, nêutrons e centenas de outras menos famosas. Sorri porque o prêmio era esperado há muito pela comunidade de físicos. E pelos premiados.

Em 1988, iniciei meu pós-doutorado no ITP, hoje dirigido por David Gross. Na época, ele ainda estava em Princeton e era Frank Wilczek quem trabalhava no ITP. Participava sempre de discussões com Wilczek, um desses raros talentos da física que pesquisam em várias áreas. Fora sua famosa gargalhada, que vai de fora para dentro como se ele estivesse se asfixiando, Wilczek era também conhecido pelo seu nervosismo, que atingia o clímax justo em outubro, quando o Nobel é anunciado.

Em uma manhã de outubro de 1988, caminhava pelo corredor do ITP conversando com Wilczek quando apareceu David Schramm, um astrofísico de Chicago que também almejava o cobiçado prêmio. Schramm, que morreu tragicamente pilotando seu avião sobre as montanhas do Colorado, veio todo animado, exclamando que Leon Lederman, um físico experimental muito seu amigo, havia ganho o Nobel.

A expressão de Wilczek dizia tudo: um sorriso amarelo, derrotado e nada amistoso. As pessoas que o conhecem melhor dizem que todo outubro era a mesma coisa. Wilczek mal podia dormir, esperando pelo tal telefonema de Estocolmo. Bem, finalmente ele pode descansar em paz.
O prêmio é mais do que merecido. Durante os anos 1950, experimentos mostraram um número enorme de partículas ditas elementares, os hádrons. Todos eles, que incluem o próton e o nêutron, têm algo em comum: interagem entre si por meio da força nuclear forte, a mesma responsável pela coesão do núcleo atômico.

De fato, se o núcleo atômico é feito de prótons, com carga elétrica positiva, e nêutrons, sem carga, e cargas iguais se repelem, o que evita a sua dissociação? A resposta, encontrada nos anos 1930, é que outra força atua no núcleo como um tipo de cola, a força nuclear forte.
Em 1963, Murray Gell-Mann, do Caltech, propôs que os hádrons fossem compostos por partículas chamadas quarks. Tal como os 92 átomos são compostos por apenas três partículas (elétrons, prótons e nêutrons), os hádrons seriam produto de combinações de seis quarks. O único problema é que, ao contrário de elétrons ou prótons, ninguém jamais observou um quark isolado. Como explicar isso?

Basicamente, os quarks não podem existir livres, fora dos hádrons; eles são prisioneiros eternos, como se fossem sementes que jamais saíssem de dentro das frutas. Imagine que os três quarks dentro de um próton fossem ligados um ao outro por molas. É fácil separar duas massas ligadas por uma mola. Mas vai chegar um ponto em que a mola arrebenta. Se tentarmos separar os quarks dentro do próton, a força atrativa entre eles mantém-se a mesma e mais energia é necessária. Eventualmente, a "mola" se rompe e um novo par de quarks aparece no ponto de ruptura.

O mesmo ocorre com uma corda ou um ímã. Não podemos isolar um lado da corda ou um pólo de um ímã, quebrando-o ao meio; ficamos com dois ímãs menores na mão, cada um com seus dois pólos.

Quando prótons colidem com elétrons muito energéticos, a colisão ocorre com um de seus três quarks. Experimentos mostram que esse quark comporta-se com se estivesse livre, viajando dentro do próton. Gross, Politzer e Wilczek mostraram que, em altas energias, a força atrativa entre os quarks é desprezível. Os quarks ganham liberdade, uma liberdade assintótica, mesmo que efêmera.

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