domingo, 17 de outubro de 2004

Tempestades solares

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Na primavera de 1613, o italiano Galileu Galilei em seu "História e Demonstração Sobre as Manchas Solares", argumentou que as manchas vistas no Sol estavam localizadas sobre a sua superfície.

Um ponto de vista alternativo, defendido pelo astrônomo jesuíta padre Scheiner, dizia que as manchas solares eram pequenos planetas orbitando o Sol. Scheiner, treinado na doutrina aristotélica, não podia aceitar que um objeto celeste tivesse qualquer tipo de imperfeição. Segundo Aristóteles, todos os objetos celestes eram feitos de éter - a quintessência-, sendo, portanto, perfeitos. Venceu Galileu, após humilhar bastante seu oponente, como era seu estilo.

O que não sabia é que as manchas solares têm dimensões maiores do que da Terra e representam uma medida de atividade magnética na superfície solar. Hoje, sabemos que o Sol apresenta ciclos de atividade de duração de onze anos, nos quais o número de pares de manchas solares aumenta durante o pico dos ciclos, indicando o borbulhar magnético do astro-rei. Essa atividade tem sérias implicações para a Terra.

No dia 14 de julho de 2000, cientistas no Centro Ambiental Espacial em Boulder, no Colorado, monitorando o satélite Goes-8, detectaram uma emissão violenta de raios X emitida por uma região do Sol que, durante os dias precedentes, havia demonstrado alta atividade. Os raios X acusavam a formação de uma gigantesca centelha, emitindo energia equivalente a bilhões de megatoneladas de TNT: literalmente, uma explosão apocalíptica na superfície do Sol. Outro satélite, Soho, também detectou a centelha em sua órbita a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, um décimo da distância até o Sol. Após meia hora, o Soho detectou outro fenômeno, de proporções assustadoras: a ejeção de uma bolha de bilhões de toneladas de plasma, partículas eletricamente carregadas. Destino: Terra.

A bolha, um exemplo de ejeção de massa coronal (do inglês "coronal mass ejection", ou CME), viajando a 1.700 quilômetros por segundo, chegou aqui 25 horas mais tarde. Ao passar pelo Soho, a bolha provocou pane em seus instrumentos, desligando-os temporariamente. Em um dia suas células solares sofreram danos equivalentes aos de um ano. Um satélite japonês foi perdido. Outros tiveram seus instrumentos de detecção e transmissão de dados arruinados.

Em outubro do ano passado, uma tempestade solar emitiu outra massa coronal gigantesca. Essa eu mesmo vi -ao menos uma de suas consequências- do jardim da minha casa: as partículas de plasma, ao se chocarem com a atmosfera terrestre, provocaram uma belíssima aurora boreal, cortinas de luz oscilando no céu em tons de vermelho e laranja. Uma das (poucas) vantagens de morar em latitudes altas.

A conexão Terra-Sol tem uma importância que vai além das belas auroras. As partículas solares, altamente energéticas, são afuniladas pelo campo magnético terrestre, concentrando-se principalmente nos pólos. Caso a Terra não tivesse um campo magnético, nosso casulo, não poderíamos sobreviver à radiação. De fato, durante tempestades solares, astronautas da estação espacial têm de procurar abrigo em partes da espaçonave com proteção extra. Imagine o Sol e a Terra como duas bolas ligadas por elásticos. Esses elásticos são as linhas de campo magnético, que gosto de visualizar como um cordão umbilical unindo-nos ao astro que nos mantém vivos. As bolhas de plasma seguem essas linhas como se fossem trilhos, juntamente com as partículas que formam o vento solar, a emissão normal proveniente do Sol, composta principalmente por prótons. A maior pressão durante uma tempestade solar modifica o campo magnético terrestre, diminuindo sua eficiência. Partículas carregadas colidem com satélites, provocando faíscas e danificando instrumentos. Mais ainda, as tempestades aquecem a atmosfera, fazendo-a dilatar. Isso causa aumento no atrito que pode levar à queda dos satélites em órbitas mais elevadas.

A vida moderna depende crucialmente de satélites: transações bancárias, GPS, telefonia celular, telecomunicações. A conexão Terra-Sol representa mais um lembrete que não devemos nos esquecer de nossos vizinhos cósmicos.

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