domingo, 28 de novembro de 2004

Algumas das grandes questões

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Digo "algumas das grandes questões" pois sei que uma lista completa seria impossível e extremamente subjetiva. A minha, claro, e especialmente para a Micro/Macro, é essencialmente científica. Mas, como os leitores verão, as fronteiras reducionistas que definiram e definem as disciplinas acadêmicas estão deixando de fazer sentido.

Existem dois movimentos antagônicos que tentam reorientar o futuro da intelectualidade. (E a ciência, sendo uma geradora de idéias e visões de mundo muitas vezes transformadoras, faz parte integral dessa intelectualidade.) Um deles poderia ser chamado de "consiliente", o termo que o biólogo americano E. O. Wilson usou em seu livro "Consiliência". Segundo Wilson, todos os sistemas de pensamento, sejam eles científicos ou não, são baseados essencialmente no mesmo grupo de leis fundamentais, leis que podem ser extraídas do funcionamento da natureza.
O outro movimento seria o pós-modernismo disseminado, por exemplo, nos círculos de literatura comparada, onde cada leitura é uma leitura, onde a voz do autor é menos importante do que o contexto sociocultural em que ele criou a sua obra e no qual (e por quem) ela está sendo lida.

Se a voz de Wilson, basicamente reducionista, leva a uma construção monótona do conhecimento e, portanto, potencialmente estática, a posição pós-moderna pode ser vista como uma cacofonia em que o pluralismo das vozes leva a um caos de onde pouca informação pode ser extraída.
Haja vista a figura cada vez mais rara do intelectual público. Aliás, na Inglaterra, o biólogo Richard Dawkins foi recentemente considerado o intelectual público de maior importância.
Acho esse um excelente exemplo do que está por vir, o que chamo uma visão sinfônica do conhecimento, baseada na troca construtiva de idéias entre as várias áreas sem a necessidade de uma dominar ou controlar a outra, sem monotonia ou cacofonia. Como fazer isso, ou pelo menos a minha opinião sobre o assunto, fica para outra coluna.

Quero voltar agora a algumas das grandes questões, versão física moderna. Em outubro, vários físicos e biólogos do mundo inteiro se reuniram no Instituto de Física Teórica da Universidade da Califórnia em Santa Barbara para discutir o futuro das ciências naturais.
No final da conferência, David Gross, o diretor do instituto, que recebeu o Prêmio Nobel deste ano, compilou algumas das questões que julgou mais importantes. Delas, citarei as que julgo apontarem para a nova interdisciplinariedade intelectual, as que necessariamente levarão a uma integração do conhecimento.

"Como surgiu o Universo?" O interesse na origem do Universo vai claramente além da cosmologia. A questão é bem mais antiga do que a ciência moderna, tendo sido contemplada pelas várias religiões através da história. O fato de ela fazer parte da lista demonstra o quanto a ciência define hoje nossa visão de mundo.

"Quando computadores serão de fato entidades criativas e inteligentes?" A questão da inteligência artificial está intimamente ligada com a nossa compreensão da inteligência, ou melhor, da emergência da mente consciente. Computadores hoje são extremamente velozes, mas apenas isso; sua atividade é limitada a obedecer comandos. Se não compreendermos o funcionamento do cérebro, ficará difícil construirmos máquinas inteligentes. O futuro desta área combina psicologia e ciências cognitivas, filosofia, neurobiologia, física, química e eletrônica. E muito mais.

Seria impossível tentar compreender o funcionamento do cérebro sem um estudo comparativo da criatividade humana nas artes e nas ciências. O estudo do cérebro é o melhor exemplo da necessidade da integração sinfônica do conhecimento.

"Será que o comportamento de objetos complexos não é determinado exclusivamente pelo comportamento dos objetos menores que os compõem?" Ou seja, será que o todo é maior do que a soma das partes? O cérebro maior do que a soma de seus neurônios e sinapses? Essa questão está ligada à complexidade emergente, a possibilidade de que diferentes níveis de complexidade sejam regidos por leis distintas. O reducionismo aqui é uma ferramenta inútil. Parece-me que a própria ciência está forçando uma nova visão do conhecimento. Já posso escutar os primeiros acordes.

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