domingo, 21 de novembro de 2004

A forma do espaço

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Espaço é um conceito meio estranho. Invisível aos olhos, mas presente, é onde existimos e nos movemos, onde as coisas acontecem. Olhando pela janela, vejo uma árvore estendendo-se do chão a uns 30 metros de altura, outras à sua volta, crescendo no espaço, preenchendo-o. Tudo começou quando as culturas mais antigas precisaram demarcar distâncias, pôr limites em seus domínios, em suas propriedades.

Daí nasceu a geometria plana, em duas dimensões, as dimensões do solo, da terra onde nascia o trigo e o milho e onde as pessoas se moviam. Claro, sabia-se que uma terceira dimensão existia, ocupada pelas nuvens e pelos pássaros e mesmo por nós, já que nos estendemos verticalmente. Com a compreensão dos ciclos naturais, da passagem do dia e das estações, ficou claro que mesmo os corpos celestes também se movem no espaço, mesmo que muito distantes de nossa realidade.

Dessa percepção nasceu a pergunta que nos fascina desde então: qual é a forma do espaço?
Homero imaginou o espaço como sendo plano "como o escudo de Aquiles", a Terra cercada por água. Para os gregos que o seguiram, o espaço era uma grande esfera, na verdade várias esferas, concêntricas, como em uma cebola, cada esfera carregando uma luminária celeste: a Lua, os planetas Mercúrio e Vênus, o Sol, Marte, Júpiter, Saturno e, finalmente, a esfera das estrelas. No centro, a Terra, inerte, também esférica.

No final da Idade Média, a Igreja Católica se apropriou desse modelo, especialmente em sua versão aristotélica, adicionando outra esfera, a morada de Deus, a Esfera Empírea. Entre ela e as outras oito estava a esfera chamada "Primum Mobile", a primeira causa, a que gerava o movimento que iria então incitar todas as outras esferas interiores a girar, carregando seus planetas e estrelas. A menos que se recorra a uma ação divina, milagrosa, capaz de criar algo do nada, é necessária a causa primordial que, com o passar do tempo, foi tendo versões diferentes.
Esse Universo fechado foi substituído pelo infinito de Isaac Newton no século 17. Newton argumentou que, em um universo finito, a atração gravitacional mútua entre os corpos celestes causaria uma tal instabilidade que a massa cósmica terminaria embolada no centro. Em um Universo infinito em todas as direções, as massas poderiam se equilibrar, mesmo que aqui e ali existisse algum desequilíbrio. Segundo Newton, Deus interferiria nesse Universo, garantindo o seu equilíbrio até o dia do Juízo Final.

A transição de um Universo fechado a um infinito causou grandes transtornos existenciais. Foi como ter perdido o teto da nossa casa, uma sensação de abandono, da enorme pequenez do ser humano, isolado em um planeta em um Universo sem fim.

Olhar para a noite estrelada era olhar para o infinito, para o incomensurável, para a noite eterna. Por isso tantos gostam ainda de pôr Deus no céu, para tapá-lo, ao mesmo tempo tapando também o seu vazio existencial. Mas logo surgiu um paradoxo, o de Olbers, para aumentar a inquietude dos curiosos: se o Universo é infinito, deve haver infinitas estrelas.

Nesse caso, a noite seria impossível, já que estaríamos expostos ao brilho delas todas. Será que o Universo era então finito? A questão só foi resolvida quando se descobriu que estrelas nascem e morrem e, portanto, não brilham para sempre. Segundo, que o Universo não é estático, está em expansão, o que tem como efeito diluir a luz das estrelas. Um Universo em expansão é um com um início. Nesse Universo com uma história, não pode haver infinitas estrelas.

Mas será que podemos mesmo afirmar que o Universo é infinito? O problema vem do fato de a velocidade da luz, a velocidade máxima em que recebemos informação, ser alta, mas não infinita. Se o Universo tem 14 bilhões de anos, podemos "enxergar" o que existe a no máximo 14 bilhões de anos-luz, o horizonte cósmico. Dentro dele o espaço tem uma geometria plana em três dimensões. Além dele, nada podemos afirmar, ao menos por enquanto. Continuamos cercados pelo escudo de Aquiles, se bem que o escudo cresceu bastante.

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