domingo, 12 de junho de 2005

Aquecimento global: o debate esquenta

MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

O grande físico Richard Feynman escreveu: "O conhecimento científico pode ser descrito como um grupo de asserções com graus variáveis de certeza -algumas bem incertas, outras menos, mas nenhuma absolutamente correta". É muito importante manter isso em mente quando se analisa a opinião de algum cientista, seja sobre partículas elementares, buracos negros, esquizofrenia, teoria da evolução ou aquecimento global.


A ausência de poluição também deixa mais calor chegar à Terra


Em geral, infelizmente, isso não ocorre. Se o cientista afirma algo, é verdade absoluta. Inclusive se a afirmação for sobre a incerteza dos resultados. Por exemplo, se alguém diz que as pesquisas atuais não podem determinar com precisão absoluta qual será a temperatura média da Terra no ano 2050, a coisa é tomada como uma mostra de que "esses cientistas não se entendem, não sabem como calcular a temperatura global. Não vamos acreditar no que dizem se nem eles acreditam". Ou, pior ainda, "se eles não sabem, então não vale a pena mudar a política ambiental. Só quando eles tiverem certeza absoluta é que devemos fazer algo".
Como disse Feynman, faz parte da natureza do processo científico nunca ter certeza absoluta, ao contrário do que muita gente pensa. E agora? Como devemos estabelecer um diálogo, de modo que cientistas e sociedade, principalmente políticos, consigam se entender?

Não há dúvida de que existem ainda muitas incertezas com relação ao aquecimento, às suas causas e se, de fato, o aumento da temperatura global na última década é mesmo resultado da emissão de carbono (causada por fatores humanos) ou por fatores naturais. Uma possibilidade levantada recentemente é que flutuações na temperatura e no fluxo de partículas e radiação provenientes do Sol podem afetar o clima terrestre. Sem dúvida, se a luminosidade do Sol aumentasse consideravelmente, a vida na Terra seria impossível. Menos dramaticamente, ainda não sabemos como calcular com precisão a influência das tempestades solares na formação de nuvens que resfriam a superfície ou no aquecimento dos oceanos que, por sua vez, também pode gerar o gás carbônico que é o maior responsável pelo aumento da temperatura.
Mas nem só o efeito estufa pode aquecer a Terra. Aqui entra o aspecto perverso do problema, recentemente discutido por cientistas ambientais na revista "Science": com os céus mais claros, mais radiação atinge a superfície, aumentando a sua temperatura. E parece que dos anos 80 para cá os céus ficaram 4% mais claros. Ou seja, a ausência ou diminuição de poluição, aparentemente benéfica, também deixa mais calor chegar aqui, causando o aumento da temperatura global!

Esse resultado vai causar confusão. Proponho ser fundamental considerar a questão do aquecimento global junta e separadamente da questão da poluição. Parto da premissa de que toda forma de poluição é nociva ao planeta, à flora e à fauna, à vida em geral, independente de agravar ou não o efeito estufa. As emissões de poluentes na atmosfera, nos oceanos, rios, lagos e solos, tem de ser diminuída ao máximo.

Parto da premissa de que o planeta é finito, sua capacidade de reciclar materiais tóxicos também o é e que esses vêm se acumulando em taxa crescente. Parto da premissa de que a ciência nos ensina a respeitar a natureza e a entender nossa dependência dela. Nesse meio tempo, vão se aperfeiçoando os métodos e a precisão dos modelos climáticos aumenta. O que não podemos é esperar de braços cruzados, tratando o planeta como se fosse uma lata de lixo sem fundo.

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