domingo, 10 de setembro de 2006

Peculiaridades quânticas

Das várias idéias científicas propostas durante o século 20, poucas se comparam em relevância e impacto social à física quântica, o ramo da física que descreve os movimentos e propriedades de moléculas, átomos e partículas subatômicas. Não é para menos: a física quântica é responsável por duas revoluções tecnológicas que essencialmente definem a sociedade moderna: a tecnologia digital dos celulares, CDs, lasers, DVDs etc. e a tecnologia nuclear dos reatores e das bombas.

Curiosamente, o interesse popular na física quântica não se relaciona com suas aplicações tecnológicas, vistas como caixas-pretas cujo funcionamento é compreensível apenas por engenheiros e técnicos ultra-especializados. O interesse vem mais das repercussões filosóficas da teoria, muito exploradas e às vezes distorcidas em livros e documentários.
Que a física quântica tem de fato propriedades bizarras não é segredo: o próprio Albert Einstein (1879-1955), que propôs algumas das idéias-chaves da teoria -como o fato de a luz ser tanto onda quanto partícula-, desconfiava de sua formulação probabilística, acreditando que uma descrição mais fundamental existia e seria um dia encontrada.

O que incomodava Einstein era a mudança conceitual que o mundo quântico nos força a aceitar. Na física do dia-a-dia, pode-se calcular com precisão a posição e a velocidade dos objetos, sejam eles bolas de bilhar ou cometas girando em torno do Sol. No mundo quântico, essa certeza é substituída por probabilidades: por exemplo, não podemos afirmar com precisão arbitrária qual a posição de um elétron que gira em torno de um núcleo atômico. Podemos apenas estimar a probabilidade de ele estar nesta ou naquela órbita. Einstein não gostava dessa história de probabilidade; daí ter afirmado em ocasiões diferentes não achar que "Deus joga dados". Até hoje ninguém encontrou uma descrição alternativa da mecânica quântica que justifique a desconfiança de Einstein. Parece que a natureza gosta, sim, de jogar dados.

Ninguém achou uma descrição da mecânica quântica que justifique a desconfiança de Einstein

Voltando ao elétron, o que podemos afirmar sobre os seus movimentos? De certa forma, antes de sua posição ser medida, o elétron não está em lugar nenhum e está em todos os lugares. Não devemos visualizá-lo como uma bolinha de bilhar girando em torno do núcleo, como se o átomo fosse um sistema solar em miniatura. O elétron pode também ser visto como uma onda que está em muito lugares ao mesmo tempo. Porém -e aqui algo de muito estranho ocorre-, quando uma medida é feita, o elétron "escolhe" uma órbita especifica.

Uma visualização imperfeita é imaginar o átomo como um anfiteatro, cujas escadas circundam o centro. Cada degrau é uma órbita. Antes da medida, o elétron pode estar em qualquer uma das órbitas. Até mesmo em muitas delas ao mesmo tempo. Quando a medida é feita, as coisas mudam radicalmente: o ato de medir interfere na liberdade do elétron, forçando-o a escolher uma das órbitas. Qual é a escolhida? A teoria quântica nos fornece apenas probabilidades de o elétron se encontrar nesta ou naquela órbita após a medida. Se repetirmos o mesmo experimento muitas vezes, o elétron aparecerá em órbitas diferentes com probabilidades dadas pela teoria.

Portanto, mesmo que o mundo quântico seja probabilístico, a teoria descreve precisamente esse comportamento. Aliás, graças a essa precisão a revolução digital foi possível. O fato de o mundo quântico ser probabilístico não é um defeito da teoria mas uma propriedade fundamental da natureza. Einstein me perdoe, mas realmente não há razão para supormos que a teoria quântica esteja incompleta.

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