domingo, 28 de março de 2010

Sobre a crença e a ciência




Respeito os que creem. A ciência não tem agenda contra a religião



A pergunta que mais me fazem quando dou palestras, ou mesmo quando me mandam e-mails, é se acredito em Deus. Quando respondo que não acredito, vejo um ar de confusão, às vezes até de medo, no rosto da pessoa: "Mas como o senhor consegue dormir à noite?".

Não há nada de estranho em perguntar a um cientista sobre suas crenças. Afinal, ao seguirmos a velha rixa entre a ciência e a religião, vemos que, à medida em que a ciência foi progredindo, foi também ameaçando a presença de Deus no mundo. Mesmo o grande Newton via um papel essencial para Deus na natureza: Ele interferia para manter o cosmo em xeque, de modo que os planetas não desenvolvessem instabilidades e acabassem todos amontoados no centro, junto ao Sol. Porém, logo ficou claro que esse Deus era desnecessário, que a natureza podia cuidar de si mesma. O Deus que interferia no mundo transformou-se no Deus criador: após criar o mundo, deixou-o à mercê de suas leis.

Mas, nesse caso, o que seria de Deus? Se essa tendência continuasse, a ciência tornaria Deus desnecessário?

Foi dessa tensão que surgiu a crença de que a agenda da ciência é roubar Deus das pessoas. Um número espantoso de pessoas acha mesmo que esse é o objetivo dos cientistas, acabar com a crença de todo mundo. Os livros de Richard Dawkins e outros cientistas ateus militantes, que acusam os que creem de viverem num estado de delírio permanente, não ajudam em nada a situação. Mas será isso mesmo o que a ciência pretende? Será que esses fundamentalistas ateus falam por todos os cientistas?

De modo algum. Eu conheço muitos cientistas religiosos, que não veem qualquer conflito entre a sua ciência e a sua crença. Para eles, quanto mais entendem o Universo, mais admiram a obra do seu Deus. (São vários.) Mesmo que essa não seja a minha posição, respeito os que creem. A ciência não tem uma agenda contra a religião. Ela se propõe simplesmente a interpretar a natureza, expandindo nosso conhecimento do mundo natural. Sua missão é aliviar o sofrimento humano, aumentando o conforto das pessoas, desenvolvendo técnicas de produção avançadas, ajudando no combate às doenças. O "resto", a bagagem humana que acompanha e inspira o conhecimento (e que às vezes o atravanca), não vem da ciência como corpo de saber, mas dos homens e das mulheres que se dedicam ao seu estudo.

É óbvio que, como já afirmava Einstein, crer num Deus que interfere nos afazeres humanos é incompatível com a visão da ciência de que a natureza procede de acordo com leis que, bem ou mal, podemos compreender. O problema se torna sério quando a religião se propõe a explicar fenômenos naturais; dizer que o mundo tem menos de 7.000 anos ou que somos descendentes diretos de Adão e Eva, que, por sua vez, foram criados por Deus, é equivalente a viver no século 16 ou antes disso. A insistência em negar os avanços e as descobertas da ciência é, francamente, inaceitável. Por exemplo, um número enorme de pessoas se recusa a aceitar que o homem pousou na Lua. Quando ouço isso, fico horrorizado. Esse feito, como tantos outros, deveria ser celebrado como um dos marcos da civilização, motivo de orgulho para todos nós.

Podemos dizer que existem dois tipos de pessoa: os naturalistas e os sobrenaturalistas. Os sobrenaturalistas veem forças ocultas por trás dos afazeres dos homens, vivendo escravizados por medos apocalípticos e crenças inexplicáveis. Os naturalistas aceitam que nunca teremos todas as respostas.

Mas, em vez de temer o desconhecido, abraçam essa ignorância como um desafio e não uma prisão. É por isso que eu durmo bem à noite.

11 comentários:

  1. Cada vez admiro mais esta pessoa que é Marcelo Gleiser. Tenho acompanhado todos os artigos e entrevistas colocadas aqui, e devo dizer que também penso de maneira muito semelhante sobre tudo isso. O respeito que ele demonstra à liberdade de pensamento,deveria ser buscado há muito tempo pelas pessoas. Talvez não tivéssemos tantas guerras no mundo.

    ResponderExcluir
  2. Grande Marcelo.
    como sempre, genial.

    ResponderExcluir
  3. Assisti à sua entrevista ao EstudioI e fiquei
    orgulhosa de ser brasileira,a minha admiração por você ser essa pessoa simples apesar de toda bagagem e conhecimento.
    O meu respeito pelo modo como transmite o seu saber para que nós simples mortais possamos entender.
    Sou naturalista com certeza e agora sua fã e admiradora.
    Nossos políticos deveriam tê-lo como exemplo...

    ResponderExcluir
  4. O suposto respeito que você afirma ter pelos crentes, bem como a ausência de agenda da ciência contra a religião, parecem decorrer de sua crença de que a religião é irrelevante.

    Convenhamos, seu texto não demonstra respeito mas condescendência com os pobres sobrenaturalistas (incluo-me entre eles) "escravizados por medos apocalípticos e crenças inexplicáveis."

    ResponderExcluir
  5. Alam,descobri hoje o seu blog.
    adorei!!! vou indicá-lo no meu.
    sonho com o dia em que em todas as escolas
    será ensinada a evolução do pensamento humano,
    sem apego a esta ou aquela religião.
    acho que isso aumentaria o índice
    de vida inteligente no planeta Terra (pensando no comentário do Jô ao entrevistar o Gleiser).
    enfim, parabéns por esta sua iniciativa!

    ResponderExcluir
  6. ah, esqueci de dizer que não sou cientista,sou artista. tive a boa sorte de ter sido criada por pessoas que me incentivaram a pensar desde cedo, refletir por conta própria, não criar mitos e saber discernir o que é pura superstição e fanatismo.respeito muito a trajetória do Marcelo Gleiser.

    ResponderExcluir
  7. Prezado Marcelo,
    sou engenheiro e pesquisador na área de Sistemas de Inteligência Artificial e Telecomunicações. Lendo seus artigos sobre ateísmo e religião, não me canso de visualizá-los com a mesma lente com a qual enxergo os religiosos fundamentalistas que pregam a existência inequívoca de Deus como verdade absoluta. Lembro que, como cientistas, o reconhecimento da insufificiência de dados sempre nos leva, na melhor das hispóteses, a formular uma resposta probabilística, independente de nossas convicções pessoais. E é por isto que, como cientista, sou obrigado a responder à questão sobre a existência de Deus com um "é provável" ou "é improvável", mas nunca como "é impossível", pois isto estaria me jogando no mesmo reduto no qual se encontram os fundamentalistas religiosos: a convicção absoluta pela fé. É irônico mas, em uma análise fria e matemática, os cienstistas que se dizem ateus e ponto colocam-se no mesmo patamar que os crentes fundamentalistas. A resposta correta, com responsabilidade científica, seria: "é provável/improvável a existência de Deus". Note que não estou falando daquele Deus barbudo, sentado em um trono do qual tudo controla, mas daquele Princípio Inteligente, que talvez tenha criado as Leis Universais. Lembre-se, parafraseando o grande cietista Carl Sagan, o qual muito me inspirou quando criança: a ausência de evidência não é a evidência da ausência. Talvez, debaixo do manto de humildade com o qual tenta resvestir suas teses, esteja uma pontinha de medo daqueles, talvez 1%, que permeiam a hipótese do sim, Deus exite, ao qual talvez chegássemos aplicando seus dados de pesquisas. Engraçado, o mesmo medo do não dos crentes... Responsabilidade científica... Esta é a chave...
    mmalves@kirchhoff.com.br

    ResponderExcluir
  8. Descobri hoje este blog e você está de parabéns Marcelo, é sempre bom ver um brasileiro falando de ciência.

    Esse tema é bem delicado, tento no meu dia a dia ser dessa linha mais moderada, mais neutro, evito de falar de ciência (talvez até esteja errado), pois por mais que queiramos ser polidos, sempre vai ter esse choque, é quase impossível, pois ao explicar a um sobrenaturalista a visão da ciência do mundo, automaticamente isto vai contra tudo que ele mais valoriza talvez na vida, e é aí que eu me alinho um pouco com Richard Dawkins, ou seja, se com base na razão eles negam a posição da ciência, talvez o caminho seja o enfrentamento mais duro com idéias claro.

    Acho que o mais racional quanto a deus é que enquanto ele não aparecer sempre vai existir a possibilidade dele estar por aí. Mas como ele não da sinais de existência, vale o dito: O ônus da prova cabe a quem alega.

    Pra mim pelo menos, a questão de deus, está justamente no quanto ele pode ser importante na vida de uma pessoa, se as pessoas conseguem viver normalmente (e podem) sem ele, aonde está a necessidade de acreditar nele? ainda mais sem as evidências de sua existência.

    ResponderExcluir
  9. Caro Alan
    Parabéns pela ideia do blog...Os textos de Marcelo Gleiser valem ser lidos porque nos fazem pensar na vida com otimismo e paciência, além do mais democratiza a ciência,fazendo com até mesmo eu, que na escola sempre fui reprovada em física, possa relacioná-la à poesia que tanto amo.

    ResponderExcluir
  10. Mais uma vez, conforme César disse acima, o ônus da prova cabe a quem alega, negativa ou positivamente. Assim, é sempre importante recordar que, como cientistas, quando alguém nos pergunta se Deus existe, ANTES de responder SIM ou NÃO, devemos ter em mãos a prova de nosso posicionamento, INCLUSIVE para o NÃO. Daí, o que é RESPONSÁVEL responder: é provável, ou é improvavel, mas NUNCA sim ou não definitivos, pois, que eu saiba, ninguém até o momento conseguiu provas irrefutáveis e diretas de cada proposição categórica. MAS, atenção, alguém aí consegue guardar seu ORGULHO cintífico e dizer um "é improvável", que seja, MAS reservar uma ponta do inevitável conjunto "talvez SIM"? Pois se consegue, meu amigo, então você não é ATEU - nenhum cientista responsável deveria ser - mas simplesmente "ainda não tem dados o suficiente para uma resposta segura". Alguém tem coragem de responder assim???

    ResponderExcluir
  11. Eu fui batizada e confirmada luterana, acreditava em Deus, sim, mas nunca me considerei uma pessoa religiosa.
    Sou apaixonada por Astronomia (e pela Ciência em geral) e isso me levou a refletir sobre minhas crenças... atualmente minha opinião fica em "Deus é improvável"... Depois ler alguns livros do Carl Sagan e (quase terminando) um do Marcelo Gleiser, parece não existir razão para a existência de deus.
    Acho que já me considero agnóstica.

    ResponderExcluir