domingo, 9 de agosto de 1998

A perspectiva de um Universo inflacionário

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Em economia, o termo inflação, bastante conhecido nosso, significa uma taxa alta de crescimento dos preços e do custo de vida em geral. Em cosmologia, o termo também representa um tipo de aumento mais desenfreado do que em economia: o da taxa de expansão do Universo.

Segundo o modelo do Big Bang, o Universo surgiu de um estado muito quente e denso, há uns 15 bilhões de anos. Ainda não sabemos muito sobre os instantes iniciais de existência do Universo, mas podemos, com confiança, retraçar sua história um segundo após o "bang". Essa confiança não significa que temos todas as respostas e detalhes desde então, mas que temos modelos que descrevem razoavelmente bem como a sopa primordial de partículas, que existia em cerca de um segundo, se transformou no Universo em que vivemos hoje, com estrelas, galáxias e outras estruturas mais complicadas.

Mas uma descrição mais completa da história do Universo deve ser capaz de reconstruir também os primeiros instantes de sua existência. E aqui o modelo do Big Bang encontra sérias dificuldades, incorporadas no que nós (cosmólogos) chamamos de "parâmetros livres", números que são ajustados para que nossos modelos sejam compatíveis com as observações.

Esses parâmetros são relacionados com as limitações atuais do modelo do Big Bang. Por exemplo, o "problema da curvatura ou geometria do Universo", para a qual há três possibilidades. Ele pode ser plano, como a superfície de uma mesa, aberto, como a sela de cavalo, ou fechado, como uma bola (esses três espaços são bidimensionais. É mais fácil visualizar a superfície de uma bola em duas do que em três dimensões!). As três possibilidades são representadas por um parâmetro das equações que descrevem a evolução do Universo. O problema é qual das três devemos escolher.

A curvatura do Universo depende de sua densidade de matéria. Se a densidade for maior do que a chamada "densidade crítica" -cerca de um átomo de hidrogênio por metro cúbico-, o Universo é fechado. Se ela for menor, o Universo é aberto. Se ela for igual à densidade crítica, o Universo é plano. Observações atuais indicam que o Universo é aberto. A densidade de matéria observada, direta e indiretamente, está em torno de 30% da densidade crítica.

Mas essa medição não é nada fácil. É muito possível que a densidade seja maior que o valor medido atualmente. Para muitos cosmólogos, ela deve ser igual à densidade crítica. Sem dúvida, se um número que, em princípio, pode assumir qualquer valor fosse tão próximo de um valor simples (isto é, um), seria tão mais elegante se a Natureza tivesse escolhido esse valor!

Essa expectativa não é apenas estética. É possível mostrar que um Universo aberto ou fechado teria hoje uma densidade muito diferente da que medimos. Portanto, a menos que a Natureza esteja nos escondendo algo óbvio (o que é sempre possível), temos fortes razões para acreditar que o Universo é plano. Mas como explicar isso dentro do modelo do Big Bang?
O norte-americano Alan Guth e outros cosmólogos propõem que o Universo passou por uma fase de expansão muito mais rápida do que a taxa de expansão normal do modelo do Big Bang. Essa fase de expansão "inflacionária", de curtíssima duração, tem importantes consequências para a história do Universo.

Observe a curvatura de uma pequena região na superfície de uma bola. Imagine a bola ser inflada rapidamente. O que acontecerá com a região que você observou? Ela se tornará cada vez mais plana. Segundo Guth, o mesmo aconteceu nos primeiros momentos de existência do Universo. A expansão inflacionária fez com que sua curvatura diminuísse. Na maioria dos modelos, inflação implica um Universo plano, resolvendo o problema da curvatura. Mesmo que a palavra final seja das observações, em cosmologia inflação é coisa boa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário