domingo, 30 de agosto de 1998

As ondas gravitacionais e a nova astronomia

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Um dos fenômenos físicos que mais observamos à nossa volta é a presença de ondas. A propagação do som no ar, movimentos na superfície de oceanos, a oscilação de folhas ao vento, o embalar de uma rede, ondas de rádio, são todos fenômenos que explicamos com a idéia de ondas.

Mas o que é, de forma geral, uma onda? Nada de muito misterioso. Uma onda é a resposta de um meio a uma perturbação. Imagine, por exemplo, uma pedra jogada em uma piscina. A energia de movimento da pedra é transferida para a água pelo impacto. Essa energia extra se manifesta por meio de ondas concêntricas, que transportam a energia transferida no impacto. Portanto, podemos dizer que a função da onda é dissipar a energia depositada na água após o impacto da pedra. Em vez do exemplo da pedra, podemos imaginar uma corda de violão ou o ar projetado pelos pulmões através de nossas cordas vocais. A idéia básica é sempre a mesma.

Existem dois outros tipos de ondas, talvez menos familiares: as eletromagnéticas e as gravitacionais. Ondas de rádio, microondas e raios X são exemplos de radiação eletromagnética que se propaga com a velocidade da luz (300 mil quilômetros por segundo). Ao contrário das ondas que mencionei anteriormente, que se propagam em um meio material como a água ou o ar, as ondas eletromagnéticas se propagam no vácuo. Caso contrário, não poderíamos ver a luz de estrelas distantes e o céu noturno seria totalmente escuro! Esse fato confundiu muitos físicos do século 19, que sugeriram a existência de um meio material, o éter, em que se propagavam ondas eletromagnéticas. Apenas no início deste século Einstein mostrou decisivamente que o éter não era necessário.

Einstein também propôs uma nova teoria da gravitação, a teoria da relatividade geral, em que sugere que a presença de matéria (ou energia) deforma a geometria do espaço e vice-versa. Imagine uma cama elástica, perfeitamente plana. Essa seria a geometria de um espaço (em duas dimensões) sem matéria. Uma bola de gude iria se mover em linha reta. Agora coloque uma bola de chumbo no meio da cama elástica. A bola de chumbo torna a cama curva, e as bolas de gude têm suas trajetórias afetadas pela curvatura da geometria. Para Einstein, o efeito da gravidade pode ser substituído pelo movimento das bolas de gude na geometria curva da cama elástica.

Já a presença de matéria (ou energia) afeta a geometria do espaço. Se a matéria estiver em movimento, a geometria do espaço também estará em movimento! Ou seja, o movimento de certas distribuições de matéria pode causar perturbações na geometria do espaço. E como essas perturbações irão se propagar? Você acertou! Por meio de ondas, chamadas ondas gravitacionais. E, como em relatividade o espaço e o tempo estão interligados, os distúrbios não serão só espaciais, mas também temporais: se estivermos em um local em que passa uma onda gravitacional, tanto nossas réguas (deformação do espaço) quanto nossos relógios (deformação no tempo) sofrerão alterações.

Posso já imaginar alguns leitores querendo surfar nessas ondas. Infelizmente (felizmente?), esses distúrbios são diminutos. Apenas eventos muito dramáticos, como a colisão de estrelas de nêutrons ou buracos negros, explosões de supernovas ou fenômenos da infância do Universo (pesquisa desse colunista), podem gerar ondas gravitacionais detectáveis na Terra. Mesmo assim, sua detecção é muito difícil. Uma supernova na constelação de Virgem gera aqui uma perturbação menor que um núcleo atômico. Grupos no mundo inteiro, inclusive no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), constroem "observatórios gravitacionais". Na próxima década, talvez possamos medir diretamente as primeiras ondas gravitacionais. Será o nascimento de uma nova astronomia, capaz de revelar muitos dos segredos da força mais comum e mais enigmática do Universo.

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