domingo, 15 de novembro de 1998

Levitação, um efeito quântico de grandes proporções

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Imagine se fôssemos capazes de flutuar no espaço, aqui mesmo na Terra. Idéias sobre a "antigravidade", uma força produzida para cancelar o efeito da força da gravidade, sempre foi um sonho de muitos cientistas, profissionais e amadores. E não só de cientistas. Recentemente, o líder de uma seita religiosa no Reino Unido ofereceu US$ 1,5 milhão para quem inventasse uma máquina capaz de levitá-lo em frente a sua congregação (claro, ele não contou seus planos para seus inocentes seguidores. Quem quiser mais detalhes, pode consultar o endereço http://www.sci.kun.nl/hfml. levitationpubres.html). Várias pessoas juram ter visto algum guru indiano levitar por meio do poder da mente.

Será que é possível criar uma força capaz de cancelar a atração gravitacional, de modo a fazer com que objetos macroscópicos possam mesmo levitar? Descartando a possibilidade de usarmos a força do pensamento, a resposta é surpreendente: sim. A idéia é usarmos a força magnética para contrabalançar a força gravitacional. Nós sabemos que um ímã comum pode levantar facilmente um pedaço de ferro. Mas note que, assim que aproximamos o ímã do metal, o metal voa diretamente até o imã, ou seja, ele não levita. Mais ainda, pouquíssimos materiais são magnéticos como ferro ou níquel. A maioria é um bilhão de vezes menos magnética do que esses metais. Como, então, levitar um sapo, ou um ovo?

A resposta é encontrada na mecânica quântica, a parte da física que estuda o comportamento dos átomos ou de sistemas subatômicos. Numa aproximação bem simples, podemos imaginar o átomo como um minissistema solar, em que os elétrons viajam em órbitas ao redor do núcleo. Essas órbitas são concêntricas e os elétrons podem "pular" entre órbitas distintas Äo "salto quântico". Na presença de um campo magnético, os elétrons sofrem um reajustamento em suas órbitas e passam a funcionar como um material "diamagnético", que apresenta um pequeno campo magnético. Macroscopicamente, a substância passa a funcionar como um ímã, embora um ímã bastante fraco.

Apesar de o diamagnetismo ter sido descoberto em 1846 pelo grande físico inglês Michael Faraday, ninguém imaginou que o fenômeno fosse ter alguma relevância ou aplicação. Quanto à idéia de levitação, outro grande físico britânico, Lord Kelvin (William Thomson), disse: "Será provavelmente impossível observar esse fenômeno, devido à dificuldade de encontrarmos um magneto forte o suficiente (para induzir o diamagnetismo forte) ou uma substância diamagnética leve o suficiente, já que as forças magnéticas são muito fracas".

É possível mostrar que os campos magnéticos necessários para levitar objetos de dimensões relativamente pequenas, como uma amêndoa ou um sapo, têm uma intensidade apenas cem vezes maior do que um desses ímãs que usamos para pendurar recados na porta da geladeira. Mesmo que não seja possível fazer esses experimentos em casa (ainda), em um laboratório é possível adquirir o equipamento necessário por aproximadamente US$ 100 mil, soma razoável para testes nas ciências naturais.

Um grupo da Holanda conseguiu de fato levitar amêndoas, sapos, líquidos, fatias de pizza e outros objetos com alguns centímetros de diâmetro. Esses experimentos permitem simular um ambiente de "microgravidade" semelhante ao encontrado por astronautas no espaço. (Imagino que o astronauta americano John Glenn, 77, que voltou ao espaço recentemente, tenha achado a microgravidade um tanto incômoda.) Portanto, podemos estudar como plantas ou cristais cresceriam no espaço sem sairmos do laboratório, o que pode ser útil para projetos de exploração do sistema solar e mais além.

E a levitação de pessoas? Infelizmente, as tecnologias mais avançadas permitem apenas levitar um objeto com no máximo 15 centímetros. Mas, no futuro, quem sabe?

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