domingo, 22 de novembro de 1998

A misteriosa irreversibilidade do tempo

MARCELO GLEISER
especial para a Folha

Todos sabem que o tempo anda sempre avante, indiferente aos questionamentos humanos. Seres vivos nascem, crescem, envelhecem e morrem, nenhum momento jamais se repete, cada segundo que passa é menos um segundo que temos de vida. A passagem do tempo é um assunto meio deprimente, mas também fascinante. Perante o tempo, somos todos impotentes. Sua passagem é democrática e, ironicamente, rígida e inflexível.
Entre as ciências, a que se preocupa com questões sobre a passagem do tempo ou mesmo com sua definição é a física. A questão do que vem a ser o tempo está, claro, intimamente ligada ao estudo do movimento.

Tempo é um conceito fundamental na descrição das mudanças que ocorrem no mundo. Em um mundo sem nenhuma transformação, a idéia de tempo não é necessária; tudo é e será como sempre foi, de modo que mudança é uma idéia irrelevante. Em religião, fala-se em deuses ou em um Deus onipresente, eterno, para o qual a passagem do tempo não existe. Mas mudanças e transformações são características fundamentais do mundo à nossa volta, e seu estudo necessariamente nos força a pensar na natureza do tempo.

Em nível mais simples, a física clássica usa o tempo meramente para descrever movimento. Quando falamos em movimento, pensamos em velocidade e aceleração. Curiosamente, um movimento em linha reta com velocidade constante é equivalente à ausência de movimento. Esse conceito, que confunde muitos principiantes da física, é na verdade simples. Quando falamos em movimento, estamos supondo a observação de algum objeto que está se movendo em relação à nossa posição no espaço. Imagine dois carros, um a 40 km/h e outro a 60 km/h. Os passageiros em cada carro verão o outro carro se movimentar em relação ao seu carro; um a 20 km/h para a frente e o outro a 20 km/h para trás! (Qual é qual?)

Agora imagine que o carro a 40 km/h aumenta sua velocidade até 60 km/h. Com os carros na mesma velocidade, os passageiros não poderão detectar movimento olhando para o outro carro (claro, olhando para uma árvore ou outro objeto externo, fica fácil detectar movimento).
Outro exemplo é um avião, em vôo perfeitamente calmo, com todas as janelas fechadas. Mesmo que esteja se movendo a centenas de quilômetros por hora, os passageiros não perceberão nada. Mas qual a relação dessa discussão com o problema da passagem do tempo? O problema é que, na física, o tempo pode passar tanto para frente quanto para trás! No exemplo dos dois carros, o sentido do tempo é irrelevante. E isso é verdade tanto na física clássica quanto para movimentos ocorrendo no mundo dos átomos ou das partículas elementares, embora nesse caso existam exceções.

O movimento dos planetas em torno do Sol pode, em princípio, ir em qualquer sentido; se filmamos esse movimento, podemos passar o filme em qualquer direção sem sabermos qual é a justa. Como a física explica a óbvia irreversibilidade do tempo? A resposta, mesmo que não completamente satisfatória, está na segunda lei da termodinâmica, que afirma que a irreversibilidade de um sistema está relacionada com sua "entropia", uma medida de sua complexidade.

Em um sistema reversível, os elementos podem retraçar seus passos da situação final até a inicial. O problema complica quando os vários elementos interagem. Nesse caso, a probabilidade de que todos os elementos do sistema possam retraçar seus passos é muito pequena, quase zero; o sistema é irreversível, e o tempo flui em uma direção. Os caminhos que as moléculas de um ovo percorrem para se tornar uma omelete são muito complexos. Reverter uma omelete a um ovo é possível, mas improvável. A irreversibilidade do tempo está relacionada à complexidade do mundo. Resta entendermos por que todos os sistemas no Universo escolheram a mesma direção.

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