domingo, 15 de agosto de 2004

Em busca da lula gigante: um mito que virou realidade

Em 1851, Herman Melville publicou "Moby Dick", após passar três anos a bordo de uma baleeira. A gigantesca baleia não foi o único monstro a aparecer em suas páginas. Melville narra um "fenômeno fantástico, uma enorme massa com inúmeros braços irradiando de seu centro, torcendo-se e enrolando-se como em um ninho de serpentes".

Na mesma época, o zoólogo dinamarquês Johannes Steenstrup declarou que uma besta encontrada no estreito de Resund e presenteada ao rei era, na verdade, um cefalópode, em particular uma lula enorme. Em uma palestra, Steenstrup mostrou uma mandíbula em forma de bico de uma lula gigante encontrada morta na Islândia. Conforme escreveu Richard Ellis em "Em Busca da Lula Gigante", o achado de Steenstrup "marcou a transição da lula gigante de mito à realidade científica". Essa descoberta inspirou Júlio Verne a incluir uma lula gigante em seu famoso "20.000 Léguas Submarinas".

Lendas de monstros marinhos são encontradas por todo o mundo. Até Homero, na "Odisséia", descreve um monstro chamado "scylla", "com doze pernas, todas se torcendo, saindo de seis longos pescoços, uma cabeça horrível em cada um deles". O caso da lula gigante é interessante porque sabe-se hoje que ela não é uma lenda; vários espécimes foram encontrados mortos em praias do mundo inteiro, da Nova Zelândia à Noruega; pedaços foram resgatados dentro de estômagos de baleia; tentáculos de até dez metros de comprimento foram pescados. O único problema é que jamais um espécime foi capturado vivo.

Apesar de ser real, a lula gigante é menos conhecida que os dinossauros. Vários pescadores contam de seus encontros com os "monstros", com olhos do tamanho de cabeças humanas. Mas, misteriosamente, a lula gigante, ou Architeuthis, consegue sempre escapar de seus caçadores.
Mesmo que os oceanos cubram quase 75% da superfície terrestre -só o oceano Pacífico é maior do que todos os continentes juntos-, o mundo submarino é menos explorado do que o Universo. Estima-se que os oceanos contenham mais de dez milhões de espécies animais, das quais conhecemos menos da metade.

A lula gigante é um desafio para os biólogos marinhos; a competição para encontrar um espécime vivo é ferrenha e não muito amistosa. O jornalista David Grann, em artigo recente para a revista "The New Yorker", conta a sua aventura junto a um caçador de lulas gigantes, Steve O'Shea. Seu plano é original: como lulas produzem milhares de ovos, é mais fácil capturar uma lula-bebê e acompanhar o seu crescimento em um aquário especial.

O aspecto mais fascinante da história é a determinação de O'Shea. Ele é capaz de sair sozinho em alto-mar e passar dias praticamente sem dormir jogando suas redes e armadilhas. Grann conta de sua obstinação implacável, em meio a tempestades e ondas de cinco metros, com a lanterna ligada às quatro da manhã em céu sem Lua, examinando e reexaminando o conteúdo de sua rede. Na terceira noite, O'Shea viu em sua rede o que lhe pareceu ser o exemplar que tanto queria. Mas, no esforço de esvaziá-la, a lula-bebê acabou escapando para o mar. Mais uma missão frustrada.

Mas O'Shea não desistiu. E é justamente essa determinação que leva ao sucesso em pesquisa. Não existem garantias, apenas fé de que o objetivo será alcançado. O mais importante é a persistência, é poder visualizar a lula crescendo no tanque, a equação resolvida, o enigma explicado. A imagem do cientista em meio ao oceano escuro, procurando por um animal meio mito meio realidade é pura poesia. A poesia escrita pelo nosso desejo insaciável de querer saber sempre mais.

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