domingo, 22 de agosto de 2004

A última Micro/Macro

Esta é a micro/macro de número 359. E é também a última. Desde 28 de setembro de 1997, todos os domingos, sem exceção, tive o privilégio de compartilhar com meus leitores um pouco do que se faz em ciência hoje pelo mundo, de sua repercussão moral e social, do que significa ser um cientista. Tentei apresentar a ciência com uma cara diferente; não o monstro de sete cabeças que afugenta a tantos na escola, mas como uma busca por significado, por respostas a perguntas tão antigas quanto a humanidade, nossas origens, nosso destino. Perguntas que definem quem somos.

Vivemos em um Universo austero, de proporções gigantescas. A luz, viajando a 300 mil quilômetros por segundo, demora 4,3 anos para chegar até Proxima Centauri, a estrela mais próxima do Sol. Um ônibus espacial, viajando a 10 quilômetros por segundo, demoraria 140 mil anos. Até onde sabemos, estamos sozinhos, ao menos em nossa vizinhança galáctica. Relatos de Ovnis à parte, não há indicação concreta de que exista vida em outro planeta do Sistema Solar ou em uma de suas tantas luas. Se formas de vida existiram ou existem ainda, elas não são inteligentes. Mesmo assim, quando contemplo a imensidão do espaço, aposto na existência de outras formas de vida no cosmo. Afinal, o Sol é apenas uma entre centenas de bilhões de estrelas.

Durante a última década, mais de cem planetas extra-solares foram descobertos girando em torno de estrelas vizinhas. É bem verdade que eles não têm muito a ver com a Terra, sendo mais parecidos com Júpiter. Mas isso pode ser conseqüência do método usado para achá-los, que funciona melhor quando eles são muito maiores do que a Terra. De qualquer forma, a descoberta mostra que planetas não são uma raridade; nosso Sistema Solar é um entre bilhões. E isso apenas em nossa galáxia. Imagine quando somarmos as outras centenas de bilhões que existem no Universo!

Quando vemos a variedade impressionante das formas de vida na Terra, a adaptabilidade de certas espécies a condições de extrema temperatura, sem oxigênio, sem luz, fica fácil imaginar que a criatividade da natureza não se limita ao nosso pequeno planeta. Mas é importante diferenciarmos entre vida e vida inteligente. É comum acreditar que, com tempo suficiente, a vida irá sempre evoluir até espécies inteligentes.

Este é o caso do único exemplo que conhecemos, o nosso. Mas, quando estudamos a história da vida na Terra, vemos que a evolução das espécies se dá juntamente com a evolução do planeta; a explosão de vida que existe hoje aqui é consequência de inúmeros acidentes cósmicos e locais. Por exemplo, a extinção dos dinossauros se deveu à colisão de um asteróide há 65 milhões de anos. Se isso não houvesse ocorrido, é possível que a Terra fosse ainda dominada por eles, e que os mamíferos permanecessem irrelevantes. Cada planeta tem a sua história. Suas formas de vida, se existirem, seguem caminhos evolutivos diferentes. Jamais nossa história será repetida em outro lugar. Muito provavelmente, somos os únicos humanos no Universo.

Essa revelação me deixa dividido. Por um lado, vejo a espécie humana como uma obra-prima da evolução, uma jóia biológica construída a partir de cadeias incrivelmente complexas de macromoléculas orgânicas. Por outro, me envergonho em ver o que andamos fazendo com o mundo e com nós mesmos. Moralmente, continuamos na Idade da Pedra, prisioneiros da dualidade bem-mal, escondendo-nos em grupos que se acham no direito de julgar outros grupos e de usá-los ou destruí-los. Se de fato estamos sozinhos na imensidão cósmica, temos o dever de nos preservar e de espalhar vida inteligente pela galáxia.

A ciência redefiniu o mundo em que vivemos. Hoje, exploramos o átomo e as galáxias, curamos doenças que antes matavam aos milhares, usamos tecnologias que há cem anos seriam inimagináveis. Em cem anos, a ciência haverá redefinido o mundo mais uma vez. Resta ainda redefinirmos o espírito humano, que continua escravizado pelos mesmos medos que nos tornam inimigos de nós mesmos.

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