domingo, 1 de maio de 2005

O cosmo e a vida


MARCELO GLEISER
COLUNISTA DA FOLHA

Existe uma linha direta ligando a origem do Universo à origem da vida. Esta asserção parece improvável, visto que, segundo o modelo do Big Bang, o Universo surgiu há aproximadamente 14 bilhões de anos e a vida, na Terra ao menos, há uns 4 bilhões. O que a cosmologia moderna, interessada na expansão do Universo, na distribuição espacial das galáxias, pode nos dizer sobre a existência da vida em nosso planeta e outros?

Muita coisa. Antes da descoberta da expansão do Universo, a conexão entre cosmologia e vida não era tão imediata. Existia um outro modelo cosmológico, rival do Big Bang, que afirmava que o Universo era infinitamente velho, que não tivera uma origem em um dado momento do passado. Esse modelo, chamado modelo do estado padrão, não pôde explicar a existência da radiação cósmica detectada em 1965 -a prova de que o cosmo teve uma infância quente e densa- e foi abandonado. Mas podemos ver que, em um Universo infinitamente velho, a vida deveria existir em todos os níveis possíveis de desenvolvimento. Afinal, em um tempo infinito, qualquer processo que tem uma probabilidade de ocorrer ocorrerá com 100% de probabilidade.
Se adicionarmos à idade infinita do cosmo sua extensão infinita no espaço, isto é, se supusermos um Universo infinitamente velho e grande, deveria ser possível encontrar vida em todas as direções que olhássemos. Este não parece ser o caso; se a vida existe em outras partes do cosmo, é bem mais rara do que prevê o modelo do estado padrão. Como observações confirmam que o Universo é infinito espacialmente, ou seja, que um viajante andando em qualquer direção jamais volta ao ponto de partida, a opção a ser abandonada é a de um Universo infinitamente velho. O cosmo também faz aniversário.


Como observações confirmam que o cosmo é infinito espacialmente, a opção a ser abandonada é a de um Universo infinitamente velho

Portanto, a conexão entre a cosmologia e a vida se dá através da passagem do tempo. Um Universo em expansão, como o nosso, é um Universo com uma história. E o que aprendemos ao estudar esta história é que, à medida que o Universo se expande, a matéria se resfria. Esse resfriamento gradual permitiu que partículas inicialmente livres eventualmente formassem estruturas cada vez mais complexas: núcleos atômicos, átomos de hidrogênio e hélio, estrelas e planetas. Mas para que a vida seja possível hidrogênio e hélio não bastam. Faltam os outros elementos, carbono, oxigênio, ferro, ouro... Eles são formados durante os momentos finais da vida de estrelas, em eventos conhecidos como explosões de supernova. Com a morte da estrela, quantidades enormes de elementos químicos são dispersadas pelo espaço interestelar, semeando futuros sistema solares com a química da vida.

Vemos então que, para que os elementos químicos sejam gerados, estrelas têm de nascer, viver por um tempo e morrer. Essa saga estelar é da ordem de alguns bilhões de anos. O Sol, por exemplo, viveu 5 dos seus 10 bilhões de anos. Um Universo que suporta a vida tem de ser velho, certamente mais velho do que alguns bilhões de anos. Como está em expansão, será também frio e as distâncias entre as estrelas serão enormes. Isso é importante, pois estrelas geram radiação que é letal aos seres vivos. A vida precisa delas como fonte de energia, mas deve ser protegida dos seus excessos. O equilíbrio é frágil. E esses são apenas os primeiros passos em direção à vida. Dos elementos químicos em planetas com atmosferas até seres vivos e pensantes o pulo é enorme. Tão grande que terei de deixá-lo para uma outra semana.


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